Uma coisa da qual eu sempre costumo achar graça é na facilidade com que os seguidores do Livro da Lei usam o porrete. Dá a nítida impressão de que coisas como gentileza, educação, cavalheirismo e consideração são absolutamente proibidas para o Thelemita. Obviamente não são todos e uma grande maioria é de costumazes praticantes desta arte chamada civilidade. Porém uma grande parcela prefere mesmo agir como homens (e mulheres) das cavernas descendo o sarrafo em tudo o que vejam pela frente e que não se enquadre em suas estreitas visões de mundo. E nestas horas eu me pergunto qual seria o motivo de tal comportamento.
Estudemos o típico exemplar desta espécie que eu chamo de pitt-telemita… Costuma ser jovem e esquentado. Vê a si mesmo como uma espécie de entidade supra-humana, à parte e acima do resto dos “pobres mortais”. E com muitas, muitas opiniões sobre tudo e sobre todos; opiniões estas que em geral começam com “eu detesto”, “eu odeio”, “eu desprezo” e por aí vai. Diga-se de passagem, faz questão de empurrar tais opiniões pela goela de quem quer que dê o azar de estar por perto, não dando a mínima para a opinião do outro. Se questionado quanto a isso, negará veementemente, mas se compraz em ver que suas palavras e/ou atitudes chocaram ou aporrinharam alguém. Em suma, é um chato de galochas com um ego hiperdesenvolvido.
Mas o que é que isso tem a ver com Thelema?
Absolutamente nada. Ainda que uma leitura rápida e superficial do Terceiro Capítulo do Livro da Lei possa dar essa impressão, Thelema não se coloca contra a educação e o respeito ao outro. Muito pelo contrário, uma vez que Thelema lida com o conceito de que todo homem e toda mulher é uma estrela, a compreensão da Lei Thelêmica traz implícita uma ideia de igualitarismo e de que respeitar o papel e a posição do outro do mundo é essencial. E ainda mais, uma vez que Thelema, a Vontade, está igualada com Ágape, o Amor, não se pode viver sua Verdadeira Vontade sem que se tenha atingido o conhecimento deste Amor por tudo e por todos, um amor que não comporta a agressão gratuita ou o desrespeito.
A essa compreensão errada da Lei de Thelema eu chamo de viver à Meia-Lei. Ou seja, vive-se apenas parcialmente a Lei, dando atenção apenas à primeira metade do enunciado (“Faze o que tu queres…”), esquecendo-se totalmente da segunda metade (“Amor é a lei…”). Busca-se apenas a satisfação da agressão ao mundo, da necessidade de se impor seus desejos a tudo e a todos, sendo o permanente “dono da cocada preta”. Mas quando chega a parte de amar (e respeitar!) verdadeiramente a todos, mesmo àqueles que pensam e agem de forma diametralmente oposta o motor rateia e essa parte é deixada para lá.
Thelema não comporta preconceitos. Pois preconceitos são apenas mais uma corrente que nos escraviza ao filtrar nossa percepção do mundo em sua maravilhosa e infinita variedade. Thelema não suporta o ódio cego e reativo pois também é uma algema, negando-nos a ação plena e restringindo-nos à mera reação animal. Thelema não suporta a agressão aos conceitos e modos alheios pois tal agressão não passa de invasão à órbita alheia. Thelema não comporta menosprezo ao sagrado alheio pois para o verdadeiro Thelemita tudo é sagrado.
Não, não é fácil ser um Thelemita. Principalmente quando estamos encarcerados em um novelo férreo de correntes que nos tolhem os movimentos da alma e da mente, correntes colocadas por nós mesmos e por fatores como educação social, família e outros, e que nossos egos conservam firmes e fortes. Mas mesmo assim, mesmo totalmente escravizado por seu ego, por seus preconceitos e por sua agressividade reativa, por seu desprezo a tudo o que não seja proveniente de seu próprio ponto de vista ou não lhe sirva como viés de confirmação, o pitt-telemita ainda bate no peito e brada ao mundo “EU SOU UM REI”, olhando à sua volta em busca de supostos escravos para o servirem. Como não os vê, faz de tudo para inventar alguns.
Qual a saída para esta situação, obviamente ridícula? Simplesmente viver Thelema como um todo, tanto Vontade quanto Amor. É buscar despir-se de preconceitos, é respeitar o outro em plenitude, dando-lhe o direito de existir. É buscar Amar plenamente como só um Thelemita pode fazer, pois sabe que seu Amor é apenas uma expressão ativa de sua Vontade.
Mas, infelizmente, falar de Amor para um pitt-telemita não costuma adiantar nada pois tudo o que resultará será um discurso inflamado sobre como ele não precisa disso pois é um Rei e odeia (ou despreza, ou detesta) essa bobagem de amor. Mas não tem problema. Mesmo eles merecem ser respeitados e Amados.
Autor: Frater Horus Menthu