Vida (Thelêmica) Longa e Próspera

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Tor ra du dungi dungau nam-tor wuh bosh t’ wuh to-gav.

Quando pensamos em ficção científica nossa mente vai logo para naves espaciais, pistolas fazendo “pew-pew-pew”, homenzinhos verdes e mulheres com pouca roupa. Mas nem sempre é assim. Nos anos 60, mais especificamente em 1966, o produtor Gene Rodenbery imaginou um futuro utópico onde o ser humano teria aprendido a viver em uma sociedade melhor, onde as realizações pessoais seriam mais importantes que as materiais e a colaboração estaria acima do individualismo. Uma humanidade que teria redescoberto a aventura da descoberta, igualitária e respeitosa. Isso materializou-se na franquia de séries Star Trek (Jornada nas Estrelas), que trouxe para a televisão filosofia, crítica social, empoderamento feminino, discussões sobre racismo e muito mais.

Uma parte desse “muito mais” foi a criação de uma gama de sociedades alienígenas que refletiam conceitos de partes da própria evolução humana. E uma das mais interessantes eram os Vulcanos. Esses aliens de orelhas pontudas e sangue verde evoluíram de uma sociedade violenta com emoções descontroladas e explosivas para uma pacifista e com grande autocontrole individual. Essa transformação veio de um filósofo chamado Surak que instituiu um sistema de ética baseado na lógica.

Mas o que temos, como Thelemitas, a ver com isso? Bem, acontece que, ao longo dos anos (e seriados) essa filosofia foi sendo desenvolvida até o nível de um uso prático. E não precisamos de sangue alienígena ou poderes especiais para isso. Aliás, e é o propósito deste artigo, pode ser bem útil para quem segue o caminho de Thelema. Vamos ver como.

I.D.I.C.

A sigla “I.D.I.C.” significa “infinita diversidade em infinitas combinações” e é a ideia primária de toda a filosofia vulcana. Em vulcano, Kol-Ut-Shan. Gostamos muito de falar em respeito à diversidade mas na maior parte do tempo lidar com isso é consideravelmente difícil. Mesmo para Thelemitas. Mas se somos todos estrelas no Corpo de Nuit, todos temos valor e beleza. E sendo cada estrela uma individualidade, a força, o Amor, que nos sustenta vem justamente dessa infinitude de modos de ser, de pensar, de agir, de se relacionar de tantas formas distintas que não podemos contar. Conhecer e respeitar (o que não significa concordar necessariamente) essa diversidade nos faz aprender sobre o próprio universo do qual fazemos parte e, por conseguinte, sobre nós mesmos.

Vida longa e próspera / Paz e vida longa

Talvez a saudação vulcana, aquela que vem acompanhada com a mão direita erguida em formato da letra hebraica Shim (na verdade, a origem do gesto é uma benção dada por rabinos da linhagem Kohanim) é um dos aspectos mais conhecidos dos vulcanos. Mas o quê ela significa?

Afinal de contas, o que nos interessa se alguém tem ou não uma vida longa, próspera e pacífica? E, em termos lógicos, por que uma vida curta e cheia de enfrentamentos? Porque, em termos de filosofia vulcana, uma das coisas mais lógicas é o respeito à vida e ao indivíduo. Afinal, se você quer que a sua vida e a sua individualidade sejam respeitadas, nada mais lógico que praticar esse respeito para com os outros. Em termos Thelêmicos, é muito semelhante ao cumprimentar alguém com o “Faze o que tu queres”. Ambos referem-se a dar ao outro o direito inalienável de seguir com sua vida em paz, sem interferência da parte de ninguém. Acima de tudo, ao cumprimentar alguém com um “93” ou com “vida longa e próspera” você está reconhecendo para si mesmo a dignidade daquela pessoa e declarando seu respeito por ela.

Vegetarianismo

Ok, esta parte não é um consenso nem mesmo entre os vulcanos. Mas, como disse o mais famoso deles, S’chn T’gai Spock:

Em um sentido estritamente científico, Doutor, todos nos alimentamos da morte. Mesmo os vegetarianos.

Spock para o Dr. McCoy (ST:TOS)

Sim, os vulcanos aceitam que algo deve morrer para que algo possa viver. Contudo, o repeito à vida carregado na filosofia vulcana não pode aceitar a morte e o sofrimento desnecessários. Mas e em Thelema? Não há nada em nossa filosofia que nos diga que não possamos comer um bom bife. Mas se formos olhar no texto “Dever” de Aleister Crowley encontramos que:

É uma violação à Lei de Thelema abusar das qualidades naturais de algum animal ou objeto, desviando-o de suas funções próprias, como determinado pela consideração da sua história e estrutura.

Então podemos começar a considerar que mesmo que não nos tornemos vegetarianos ou veganos, será que nosso consumo de carne animal está sendo feito de uma maneira ética? Existe um respeito pelo animal que está sendo criado pelo abate? Ou mesmo que comamos carne, estamos respeitando o sacrifício daquele ser vivo ao comer? Ou não estamos tendo a menor consideração por aquilo?

De qualquer forma, todos nos alimentamos da morte. Então, se você não quer chegar ao ponto do vegetarianismo, ao menos considere a adequação do seu consumo de carne à sua necessidade fisiológica e não ao mero desejo pelo alimento. E, não importa o que esteja comendo, lembre-se que aquele organismo também possui uma Vontade e respeite isso ao ingerí-lo.

As Necessidades de Muitos Superam as Necessidades de Poucos (ou de um)

Talvez este seja um dos pontos da filosofia vulcana que possam ser mais estranhos à compreensão mais superficial de Thelema. É muito comum que Thelemitas passem a ver o mundo como um playground para seu próprio individualismo. E isto é um erro. Porque Thelema não é sobre individualismo mas sobre individuação. Este é o processo psicológico onde alguém vai em busca de sua verdadeira natureza e seu lugar na sociedade. Thelema, então, não tem a ver só com o “eu” mas também com o “nós”. E isso significa que existe uma parte também de se lidar com a sociedade, com o grupo.

E é nessas horas em que se deve considerar (logicamente, é claro) as necessidades desse grupo e muitas vezes colocá-las à frente de nossas necessidades pessoais. Mas, ao contrário do que pregam muitas formas de pensar, isso não é um sacrifício ou uma exaltação do ego. Colocam-se as necessidades do grupo acima das pessoais por uma questão simples: se o ambiente onde estou encontra-se em um estado de tranquilidade, sincronia, evolução ou como queira chamar, isso significa que haverá menos perturbação no meu próprio caminho.

Estoicismo

A filosofia estóica não surgiu com os vulcanos ou com Jornada nas Estrelas. Surgiu muito, muito antes, na Grécia Antiga. Mas pode ser aqui muito bem colocado nas palavras do pai de Spock, Sarek: “o necessário nunca é tolice”.

A filosofia estóica nos ensina que o Universo e tudo o que está nele possui um fluxo natural e posicionar-se contra esse fluxo não apenas é inútil como destrói qualquer chance de felicidade. Em termos Thelêmicos, estamos falando da nossa Verdadeira Vontade. O estoicismo Thelêmico é o observar de nossa vida, nossas ações, nosso verdadeiro eu em busca dessa Vontade, colocando-nos no fluxo dela mesmo que não a conheçamos ainda.

Podemos ver isso também como uma completa aceitação da realidade como ela é, sem que nos percamos em ilusões ou desejos. Aliás, aceitar a realidade é justamente um dos pilares da filosofia vulcana. É uma postura onde tudo deve ser analisado pelo que é, não pelo que gostaríamos que fosse, olhando o mundo com isenção emocional. Esse é um dos caminhos que nos leva ao conhecimento de nós mesmos, do mundo e de nossa Vontade.

Isso não significa, necessariamente, passividade frente à vida. Por vezes é necessário o confronto, o conflito. Então, mergulhar neles é o necessário e, portanto, não é tolice. Mas mesmo esse mergulho deve ser feito de forma consciente dentro da necessidade do fluxo.

Meditação

De todos os personagens regulares da franquia, Tuvok (de ST:Voyager) é um dos que mais é visto em práticas de meditação. Para o vulcano, o exercício da meditação visa atingir o estado de “arei’mnu”, que se traduz como “controle das emoções”. Sendo uma raça de emoções violentas, ter o controle completo de suas emoções significa que ele pode manter sua mente, seus pensamentos livres de interferências e desequilíbrios e assim pode perceber (através da lógica) as ilusões do mundo que o separam da percepção da realidade.

Não creio ser necessário realmente explicar para Thelemitas a necessidade das práticas de meditação. Crowley nos deixou uma extensa coleção de textos mostrando a necessidade desta prática, bem como como realizá-la. Mas para quem ainda está iniciando, pense como um vulcano. O que perturba sua mente além das suas emoções e como isso afeta a você? Uma simples prática de pranayama, alguns minutos por dia, pode ajudar a começar a acalmar esse redemoinho que temos em nossas mentes e ajudar em nosso caminho. Comece devagar e depois vá se aprimorando.

Aceite (e respeite) Seu Corpo

No universo de Jornada nas Estrelas os vulcanos são um povo conhecido por seu controle das emoções e uso da lógica. Mas também possuem uma característica biológica que, a cada sete anos, os coloca em um estado de cio, o pon farr. Isso os dá uma compreensão de que nem tudo está no controle, da necessidade de aceitar nossos processos orgânicos como sendo parte fundamental de nós mesmos.

O vulcano não rejeita o pon farr, ele o abraça. Mas ele o faz por conhecer seu próprio corpo e suas necessidades. É uma forma profunda de respeito por si mesmo. Da mesma forma, devemos ter esse respeito por nossos corpos:

Adora e não negligencies teu corpo físico, que é a tua conexão temporária com o mundo externo e material.

Crowley, “Liber Librae”

Muitas vezes, no caminho espiritual, tendemos a olhar nossos corpos como algo ruim, dispensável ou qualquer outra coisa do tipo. Contudo estamos ligados a nossos corpos e uma das coisas que aprendemos em Thelema é que o que é material é tão sagrado quanto o que não é. Não dar atenção a nossos corpos, não respeitar suas necessidades é deixar de lado uma parte intrínseca de quem somos.

Existem muitos outros aspectos da filosofia vulcana que podem ser analisados e apreciados sob a ótica Thelêmica. Aqui foram deixados apenas alguns dos mais fundamentais. Caso você se interesse por eles, deixo abaixo uma série de links para você se aprofundar.

Ashaya nam-tor wuh to-gav, ashaya ne’ dungi.

Bibliografia


Autora: Soror T’Pan

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