Psicologia & Transcendência

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Há uma diferença específica que parece transparecer na comparação entre a Psicanálise de Freud, de Lacan e o pensamento de Reich contra o Sistema de Oito Circuitos proposto por Timothy Leary. Parece-me que a diferença vêm da origem e dos objetivos: a Psicanálise de Freud e as elaborações seguintes de Lacan e Reich partiram da observação do estado patológico e buscaram sua normalização. Ou seja, elas se constituíram ao redor dos imprints traumáticos que podem ocorrer durante a ativação e o desenvolvimento dos quatro circuitos neurológicos determinados à sobrevivência, socialização e reprodução. Basicamente, o que os três se propuseram foi à normalização da pessoa sintomática em um ser humano que desempenha suas funções sociais dentro de um nível de stress considerado normal, e que possa usufruir, ou, como quer Reich, que possa gozar.

Uma das razões pelas quais nenhum dos três sistemas aborda as possibilidades de experiência e crescimento pessoal que permanecem latentes nos outros quatro circuitos é bastante óbvia: nenhum dos seus iniciadores experimentou essas possibilidades ou esteve em contato com alguém que o tivesse feito.

Jung tem o mérito de ter indicado uma outra possibilidade, além da “cura” psicanalítica, quando desenvolveu seu conceito de individuação. E ele próprio deu sinais de, em alguns momentos de sua vida, ter experimentado algo dos circuitos superiores.

Podemos dizer, assim, que a diferença entre a Psicanálise e suas vertentes e a proposta de Timothy Leary é a entre a normatização das funções ligadas a oralidade, analidade, semântica e atividade sócio-sexual do ser humano ordinário e o despertar do potencial neurológico latente em um ser humano já saudável.

Um exemplo: Reich se foca na obtenção do orgasmo pleno como o sinal de saúde psico-física desejável; o Tantra utiliza deliberado controle do orgasmo como meio de se alcançar experiência nos circuitos neurológicos superiores. Mas, é claro, o praticante do Tantra necessariamente tem que ser uma pessoa em quem a possibilidade do orgasmo pleno já foi realizada; caso contrário, a prática tântrica se revela apenas como uma fuga ou justificação do sintoma, onde a pessoa fica imobilizada na ausência de gozo, já que não alcança a descarga energética que seus circuitos inferiores precisam e nem o êxtase que os superiores prometem.

A partir de Lacan, ainda, poderíamos definir o Misticismo e a Meditação como uma tentativa de retornar ao estado infantil onde sujeito e objeto se confundiam na relação da criança com a mãe; seriam formas de se voltar a experimentar o estado de satisfação real antes da cisão do sujeito, e da ansiedade resultante da perda do objeto imaginário. Ou seja, a utilização de técnicas de regressão ao estado natural dos circuitos pré-linguísticos — o quê talvez leve à conclusão de que pessoas com traumas formados no desenvolvimento desses circuitos dificilmente consideram a possibilidade de engajar em práticas místico-meditativas, já que, inconscientemente, percebem que elas as colocariam em contato com aquilo que foi recalcado. Indivíduos que tiveram um desenvolvimento mais harmonioso — o que me lembra a ideia de “mãe suficientemente boa” — na primeira infância talvez sejam aqueles que se atraiam mais pela chance de se alcançar — ou recuperar — esses estados, que permanecem sempre uma possibilidade latente: basta conseguir silenciar o circuito semântico, o palavrear incessante dos significantes. Mas, a partir de Leary, as técnicas de Meditação e Misticismo passam a ser vias para o despertar das funções dos circuitos superiores. É interessante notar como o uso de um mesmo alucinógeno pode tanto levar a pessoa a re-experimentar suas experiências nos circuitos inferiores como a descobrir as possibilidades dos superiores.

O contato com os circuitos superiores também têm uma extraordinária capacidade terapêutica, já que permitem uma meta-reprogramação dos circuitos inferiores. E, aqui, retornamos aos princípios da Operação de Abramelin, onde o Santo Anjo Guardião representa os estados alcançados nos circuitos superiores e os Quatro Príncipes Infernais nossos circuitos inferiores. A Operação de Abramelin, portanto, simboliza o alcance do êxtase nos circuitos superiores e sua utilização meta-programadora, redefinindo os padrões de personalidade desenvolvidos durante a formação dos circuitos inferiores no período da infância à adolescência.

Este estudo que venho fazendo está sendo muito útil, pois percebo melhor o que venho buscando esse tempo todo, e os vários erros que cometi; basicamente, procurando a experiência intuída dos circuitos superiores através da satisfação ou exacerbação dos inferiores. Mover a consciência para cima, ou, despertar esses circuitos neurológicos, foi bem definido pelos místicos do passado como “abandono do mundo”; já que os primeiros quatro circuitos existem exatamente para garantir nossa sobrevivência “neste mundo”. Por aí, pode se entender o impulso dos santos em buscar um ambiente de isolamento como um recurso primitivo diante da exigência de uma economia psíquica; e a razão de ser das normas ditadas por Abramelin para que o discípulo se retire por seis meses. Afastar-se da sociedade diminui consideravelmente as demandas que o sujeito desenvolve nas suas relações com os outros, diminuindo o exercício dos circuitos semântico e sócio-sexual. O ambiente preparado provê as suas necessidades básicas e, com o apaziguamento tanto das necessidades reais quanto das demandas imaginárias, o recurso ao simbólico se volta, através das preces e invocações, para o despertar dos circuitos superiores.

O Céu e o Inferno estão dentro do cérebro.


Autor: Frater Al Dajjal

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