Nem Inferno, Nem Paraíso

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Há algum tempo atrás, duas pessoas resolveram realizar uma interessante experiência de projeção astral: enviariam seus corpos etéreos para fora do planeta Terra, em direção a nosso mais próximo vizinho celeste, Vênus. Realizaram todos os preparativos, projetaram-se para fora de nossa esfera terrena e encaminharam-se para a venusiana, lá encontrando maravilhas. Relataram encontrar seres bastante semelhantes aos seres humanos, vivendo em uma civilização dedicada ao amor fraterno e à evolução espiritual entre maravilhosos jardins. Em suma, um verdadeiro paraíso.

Em 1956 os primeiros estudos científicos do planeta Vênus levaram à revelação de um quadro de um mundo de temperaturas na faixa de 750K (cerca de 475ºC), com um solo rochoso, atmosfera sulfurosa e uma luz avermelhada. Para todos os fins, exceto pelos diabretes de cauda, chifre e tridente, Vênus é a própria visão popular do Inferno cristão.

Deixando de lado a coincidência de que a Estrela Vespertina tem associações com Lúcifer, a Ciência apresentou uma realidade bastante diversa da experimentada por Emanuel Swedenborg e Annie Besant. Caso os dois místicos em questão fossem simples pés de chinelo poderíamos esperar que sua experiência extracorpórea fosse um fiasco. Mas o caso é justamente o oposto, com duas pessoas teoricamente habilitadas na questão da viagem astral. Poderia ser esta uma prova de que viagens astrais e coisas do tipo não passam de pura imaginação, sem nenhum compromisso com a realidade?

Sim, poderia.

Mas, para nossos propósitos, vamos considerar que não e tentar buscar outra resposta. Uma resposta que possa, ao menos, ser considerada lógica e racional, ainda que estejamos um pouco além do limite do racional. É claro que estamos, também, considerando como implícita a honestidade e boa-fé de Besant e Swedenborg.

Uma ideia que se pode colocar antes de mais nada, posto ser óbvia, é que Swedenborg e Besant encontraram exatamente aquilo que eles esperavam encontrar! O nome Vênus desperta em nossa imaginação tudo o que traz o arquétipo desta deusa latina. Pensa-se logo em beleza e amor. E a filosofia dos dois associava beleza e amor a uma alta evolução espiritual, a qual deveria processar-se em um lugar de grande beleza e por aí vai. Desta forma, ao se projetarem astralmente, os dois podem ter projetado-se em:

  1. um construto mental formado por ambos;
  2. um construto mental do inconsciente coletivo;
  3. um local do espaço astral que não tinha absolutamente nada a ver com o planeta Vênus mas que correspondia ao que eles, inconscientemente, buscavam;
  4. um local do espaço astral qualquer onde foram dar por acidente.

Qual destas possibilidades possa ser a real, jamais saberemos ao certo. Não existem bases para afirmar uma ou outra. Uma coisa, porém, se faz certa: eles não foram parar onde pretendiam. Fica a questão do porquê de dois experientes místicos não conseguirem controlar seu destino em uma projeção astral. E esta resposta podemos arriscar pois fala de um dos riscos não apenas das experiências de projeção mas de qualquer experiência mágica.

O que está sendo falado aqui é da falta de isenção. Ou seja, da capacidade do desejo interferir no resultado de uma experiência de caráter investigativo. Basicamente, é o mesmo erro cometido por um cientista convencional ao enxergar nos resultados de seus experimentos o que já esperava ver, sem prestar muita atenção às discrepâncias e diferenças de resultado que afastam a realidade de suas expectativas. No meio científico esta falta de isenção é considerada uma falha grave em qualquer pesquisador. Entretanto, no meio ocultista pouca ou nenhuma atenção se dá a isto. Mas se alegamos ter “o método da Ciência” precisamos seguir os protocolos científicos não apenas na aplicação da metodologia mas também na posição de imparcialidade.

Assim o sendo, em uma experiência de projeção astral deve-se tomar um imenso cuidado com a atividade de nossa mente consciente, onde ficam as interpretações e os desejos. Antes de se lançar mão de sua técnica favorita de projeção uma atitude de completa neutralidade mental deve ser alcançada, um verdadeiro estado de meditação. Normalmente este estado se dá durante as projeções espontâneas, quando não há um objetivo final da viagem. Em projeções planejadas, contudo, sempre que se visualiza o local de destino, o que encontraremos será o que esperamos encontrar. Desta forma, enquanto experimento científico, esta projeção é inútil. Talvez possa ver valor enquanto experimento psicológico. Diferente é o caso da projeção a um local não conhecido, porém alcançável fisicamente, quando inúmeras variáveis podem ser levadas em consideração, anotadas e conferidas posteriormente.

Recomendam-se, então, as práticas de meditação do Yoga antes da projeção e a manutenção, por experiência adquirida em treino, do estado mental de isenção. Com o tempo o praticante terá cada vez mais facilidade em simplesmente seguir um caminho, sem pré-visualizar seu destino, lotando-o de conceitos arqutetipais próprios e formas pré-definidas.

Por outro lado, tem-se aqui uma interessante ferramenta.

Normalmente considera-se a viagem astral como dando-se fora do corpo e, consequentemente, da mente. Porém abre-se aqui a possibilidade de viagens astrais em sentido oposto, como um mergulho dentro da mente do praticante. É a situação oposta, onde criam-se “ambientes virtuais” puramente mentais, os quais poderiam ser acessados pelo corpo de luz tal como se estivessem no espaço astral. Tais espaços seriam naturalmente povoados por complexos autônomos de nossa psique, com os quais poderíamos conversar e, assim, obter vários tipos de informação sobre nossos próprios processos mentais.

Ainda assim, nossa autoimagem tenderá a distorcer as paisagens e as personagens para a forma que nos seja mais agradável para nossa mente, tornando tudo aquilo em uma confortável mentira e anulando os benefícios da experiência. Desta forma, a viagem astral interna requer uma isenção tão grande quanto a externa. A mesma atitude de observadores imparciais deve ser utilizada tanto para o que está fora de nós quanto (e ainda com mais isenção) o que está dentro de nós.

Afinal de contas, se há um guia seguro para nosso corpo de luz, este guia é o Silêncio.

Abrahadabra.


Autor: Frater Menthu

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