Magia Negra

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Dizem que Crowley era um mago negro. Pelas fotos eu acho que ele era caucasiano.

Anônimo

Certo, vamos começar essa digressão de uma forma bem simples: você sabe o que é magia negra? Calma! Não responda agora! Pare e pense um pouco antes. O que você considera como magia negra? O que é que ficam chamando o tempo todo de magia negra?

Muito bem. Agora vamos varrer para fora da sala essa tonelada de preconceitos e desinformação que vieram parar aqui. E nem venha me dizer que você não pensou em coisas como “macumba”, “fazer o mal para os outros”, “mexer com demônios”, “Goécia”, “bonecas vudú”, “magia ‘cequissual'” e outras coisas do tipo. Eu sei que um ou vários destes conceitos veio à sua mente. Mas, felizmente, não é nada disso.

E pode sair da Wikipedia que a definição deles não é lá essas coisas também.

Por mais que o termo “magia negra” seja confundida com “malefício” suas origens são diferentes. O termo se origina da expressão “nigromancia”, que pode ser realmente traduzida como “magia negra”. Mas esse termo é uma corruptela de outro termo: “necromancia”. Pois é, originalmente o que se conhece como magia negra era a prática de se invocar os mortos para obter comunicação e serviços dos mesmos (desculpem, kardecistas). Considerando-se que isso veio lá dos tempos renascentistas ou medievais, é de se imaginar que a turma dominante, i.e. católicos, não achasse muito bacana o povo que ia para cemitérios para fazer farra e invocar uns defuntos para um papo cabeça. Pois é, não foram os góticos que inventaram essa modinha. De uma forma ou de outra, era uma prática condenada pela Igreja Católica (que, na época, se chamava só Igreja mesmo) e, portanto, vista como maléfica. Espíritos e fantasmas só podiam ter parte com o Canhoto, afinal tudo que não recebia o selo de aprovação da Igreja era tido como sendo coisa do Capeta. Logo, maléfico. Logo, de necromancia chegamos à magia negra e malvada.

Como já passamos um tanto quanto desse período, pelo menos acredito que quem esteja lendo isto não tenha a cabeça em milênios passados, acho que podemos registrar a origem do termo, deixar de lado essa mera demonstração de erudição ocultista sem a menor utilidade, e dar um passo adiante.

Vamos falar de Thelema.

Em termos de ética Thelêmica, é bem conhecido o fato de que o Zezinho não deve usar os seus poderes para o mal e fazer um ritual para namorar a Mariazinha. Ou seja, é considerado altamente anti-ético se usar magia para interferir na Vontade de outra pessoa. Qualquer operação mágica que tenha esse objetivo é considerada como magia negra. Certo, mas e se o Juquinha fizer um ritual para melhorar a saúde do Zequinha. Sorry, ainda é magia negra. E não sou eu quem estou dizendo isso, é o Tio Crowley. Na verdade, ele era até mais fechado em relação a isso. Estritamente falando, segundo Crowley, qualquer atividade mágicka que não fosse conduzida em parceria com o Sagrado Anjo Guardião, e assim, devidamente alinhada com sua Vontade, ou que não visasse o contato com o mesmo, poderia ser considerada como magia negra.

Então vamos entender direito essa bagaça. Em termos Thelêmicos, só existem duas justificativas para a magia: chegar ao contato com o SAG e cumprir sua Vontade. Não é para isso, é magia negra. Ponto. Sem discussão. Não tem nada a ver com querer ajudar ou prejudicar alguém, não tem nada a ver com ser bonzinho ou malvado. Muito menos com o tipo de ritual, ferramentas ou divindades, espíritos ou demônios. Tem a ver exclusivamente com estar fazendo ou não algo alinhado à sua Vontade.

Poxa, como o Tio Crowley é chato, não é?

Não. Não é. Porque isso tem um motivo, não é nada que ele tenha tirado do sovaco esquerdo em uma tarde de tédio.

Vamos parar para pensar um pouco. Afinal, por que diabos estamos neste caminho. Qual o objetivo de um místico ou de um ocultista? Para não usar termos complicados como “Tríade Superna” ou “Samadhi” vamos dizer que é trabalhar sua mente (ou alma, ou espírito, ou Self ou… ah, cabojas! chame do que quiser) até um ponto de refinamento onde os princípios da dualidade do mundo em que vivemos deixem de fazer qualquer diferença. É expandir a consciência a um nível que podemos chamar de divino. Sabe aquela história que se fala em Thelema de que não há deus senão o Homem? É por ai.

Agora, considere o seguinte… Como você sabe que uma ação sua é realmente positiva ou negativa? Sério, ponha de lado conceitos éticos, morais ou mesmo legais. Simplesmente me responda: você realmente consegue prever todas as consequências de suas ações e as repercussões destas na vida de outras pessoas, coisas ou mesmo na sociedade como um todo? Ações são como pedras que jogamos no oceano. Suas ondas vão se expandindo até saírem do nosso campo de visão; e, mesmo antes, já não podemos saber mais quais são as nossas ondas no meio de todas as outras.

Porque, para nosso nível de consciência, masculino e feminino são opostos. Cima e baixo, esquerda e direita, dentro e fora, Império e Jedis, são coisas diferentes e opostas entre si. Já é preciso uma baita queimação de neurônios para conseguirmos ver que não são opostas mas complementares! Então acabamos dividindo o mundo em pares opostos. Aliás, deve ser por isso mesmo que chamam de “Mundo da Dualidade”.

Mais ainda. Pegue uma caneta. Compare-a com um ornitorrinco. São coisas completamente diferentes, não é mesmo? Não duvido que com uma boa photoshopada não dê para transformar uma coisa em outra. Mas quem, em sã consciência, diria que são a mesma coisa? Mas são.

Canetas e ornitorrincos e casas e a Chiquinha e peixes e folhas de carqueja e mosquitos… e eu e você. São todos a mesma coisa. Tudo é a mesma coisa. Em cada objeto ou ser vivo, cada quark fazendo surf no Mar de Dirac, está contida toda informação de todo o Universo. Ou talvez de todo o Multiverso. É a nossa mente limitada que separa a existência em coisas independentes, opostas, contraditórias, duais, complementares, seja o o que for. Mas e se retirarmos essa limitação?

Esse é, por assim dizer, o maior objetivo: permitir que nossa mente possa atingir um estado em que ao olhar para uma caneta possamos ver ali não apenas a informação do ornitorrinco, mas de tudo. Esse é o verdadeiro estado em que atingimos nossa divindade potencial.

Pois bem… Quando atingimos esse estado de consciência e passamos a ver o Todo como um… bem, como um todo ao invés de nos focarmos nas partes ilusórias é quando podemos realmente ter o verdadeiro conhecimento do resultado de nossas ações. Não apenas de rituais, magia ou coisa do tipo, mas de cada ação ou pensamento nosso. Afinal, nossas ações e pensamentos também fazem parte desse tal de Todo.

Inclusive de nossa Verdadeira Vontade e da tão falada Grande Obra.

Tendo esse Conhecimento podemos sair da armadilha do julgamento e chegar ao entendimento do Ajustamento. Ou seja, quais são as ações que realmente devem ser feitas para que tudo siga como deve ser. Ou, mais importante ainda, quando devemos simplesmente ficar quietos e não fazer nada.

Magia negra é agirmos baseados nas suposições do nosso ego, dos nossos caprichos, de nossas noções limitadas (e, normalmente, egoístas) sobre o que é bom e o que é ruim, sobre o que é ético ou não, sobre o que anedoticamente chamamos de bem e mal. Ao nos alinharmos com o SAG e com nossa Verdadeira Vontade, a qual está alinhada com a Vontade do Todo, começamos e limpar a mente dos conceitos egóicos e nos encaminhamos a esse estado de consciência divina.

Tá. Mas por que “negra”? Era racismo do Crowley?

Não, diacho… Claro que não era.

Acontece que no meio desse caminho em direção à tal de Consciência Divina tem o que se chama na Cabalá (tá, eu tentei, mas não deu) de Da’ath. Para simplificar a guerra, é um estágio de consciência onde se pode obter um imenso Conhecimento ou se meter em um grande Abismo. Algumas pessoas perdem o GPS nesse ponto e não percebem que tem mais estrada à frente. Param por ali mesmo, no Abismo sem Luz e começam a dar muita trela ao próprio ego. Resultado, começam a ver a si mesmos como grandes Salvadores, Mestres, Líderes, Gurus ou seja lá como se olhem. O que conta é que essas pessoas resolvem que a sua visão do que deve ser feito é o que todo mundo deve fazer; e começam a forçar todo mundo a fazê-lo.

São chamados de Magos ou Irmãos Negros, pois estão lá embaixo, no fundo do Abismo. E adivinha o que é que eles fazem, além de maratonar na Netflix? Isso mesmo.

Magia negra.


Autor: Frater Hrw

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