As duas coisas mais difíceis da vida são: descobrir “o quê” se é, e agir de acordo. Estas são, respectivamente, a Sabedoria e a virtude (arete) de cada um. Um dos erros dos filósofos foi querer atribuir ideais universais à Sabedoria e à virtude, quando o único fato universal sobre isto é o de que os homens tem naturezas diversas, e devem envidar todos os esforços nesse sentido. Agora, tanto o guerreiro como o bancário podem ter acesso aos fenômenos oriundos da prática meditativa, e podem verificar em que medida a ocorrência de sincronicidades favorecem ou não o aumento de sua sabedoria e a potencialização da sua virtude. O treinamento meditativo e a metodologia de análise são hoje, a askesis e a lógica do filósofo, e compõem aquilo que Crowley denominou Magick. Chamamos então de virtudes menores todos os traços de caráter que permitem e conduzem a askesis à máxima perfeição. Virtude maior é a capacidade de ordenação de todo o ser na consecução de seu objetivo, e só é mais eficiente na medida do suporte que se tem das virtudes menores.
Todo o estudo da filosofia deve ser entendido como alimentação. As doutrinas diversas devem ser digeridas pela mente em seus componentes básicos, e estes devem ser reorganizados como o bolo alimentar que é transformado, de acordo com a necessidade, em osso, carne ou cabelo. Ou dejeto.
Será esta a questão fundamental: existe o Logos?
Mas, nas três hipóteses acima, a saber:
A askesis, conforme a definimos, é a via para a Sabedoria, uma vez que o fenômeno é o mesmo, mesmo se desconhecemos a sua causa. Entretanto, toda a experiência asketica deve ser submetida, com todo o rigor, à lógica, definida como nada mais nada menos do que o método científico de análise.
Respondendo, então, dizemos: a existência ou não do Logos não é fundamental na condução de uma vida filosófica; nem, portanto, o nosso conhecimento a seu respeito. Fundamental é a aquisição da Sabedoria através da askesis, pela qual se define ou descobre a Vontade, e a realização da mesma, a arete. Se o Logos não existe, demos à nossa vida a maior significância possível; se o Logos existe, ao realizar a sua Vontade, concretizamos a razão de nossas existências. Ou seja, alcançando a Sabedoria através da askesis, direcionamos nossa vida pela Vontade, vivendo pela arete, e alcançamos, não a paz que Crowley indica, mas a satisfação.
Agora, a satisfação pode ser plena ou parcial.
Só se entendem as virtudes menores pela sua eficácia e eficiência na consecução da Vontade.
Mas, se a Vontade não se radica em um Logos real, a todo momento a Vontade eleita será contraposta à sobrevivência do indivíduo ou de algo que lhe seja muito caro. E o indivíduo mais covarde ou prudente, não estaria errado em aderir aos princípios de Epicuro.
A Verdadeira Vontade, radicada em um Logos real, seria infinitamente mais valiosa e importante do que a Verdadeira Vontade radicada na Sabedoria do indivíduo somente. Assim, volto atrás na minha solução, e considero que saber se o Logos realmente existe ou não, é de suma importância no empenho do indivíduo na descoberta e realização da Vontade. E aqui chegamos no limite traçado por Kant: não se pode provar a real existência do metafísico, nem mesmo para si mesmo, nem mesmo diante daquilo que se demonstra com toda força em uma experiência metafísica. Pois, se o fenômeno existe e pode ser experimentado, não se sabe até hoje qual é a sua real causa. Logo, tudo o quê se fez, baseando-se ou não em experiências metafísicas, pessoais ou não, foram atos de crença. Mas é só nos nossos dias que os resultados das experiências estão sendo submetidos à análise científica. Mas enquanto a ciência, seja matemática ou humana, não indica a resposta, como deve então o homem agir, diante da questão do Logos e da Vontade? Pois a verdade é que, por mais que eu repita “não creio em crer” , e me creia cientista e cobaia do meu próprio projeto, existe no meu âmago uma certeza irracional naquilo que defino agora como Logos, e, nos fatos da minha vida, pareço ver a sua sutil e determinada atuação. Mas sei que esta via acaba no “por quê” do mal no mundo, e nas criancinhas da Etiópia. Para isto cada religião tem seu catecismo apaziguador. Escolha uma e faça a sua aposta.
A Filosofia é um labirinto, e tudo o que fizeram os dogmáticos foi afirmar terem encontrado a saída. E, quanto aos místicos, seus êxtases apenas confirmaram para si mesmos alguns dogmas. Ninguém que nunca tenha ouvido falar de Cristo teve uma visão mística do mesmo. Até Paulo se converteu ao que conhecia.
A verdade, me parece, é que ninguém, nunca antes, e até hoje, quebrou as correntes e saiu da caverna de Platão. Mas, o homem primitivo certamente pintou muitas paredes de caverna com arte e engenho. E esta é a grande questão moral: estar disposto a tudo pela realização da Vontade, sem nunca ter certeza do seu real valor. Mas, se o Logos não existe, e a Vontade tem assim o seu valor diminuído, tudo o mais também tem. Assim, contraposta à sobrevivência do indivíduo, ela está contraposta a algo cujo valor também diminuiu. Novamente, então, se coloca a realização pessoal mais profunda contra a sobrevivência do indivíduo ou a preservação de algo que lhe é caro.
Os ideais da ataraxia, apateia, etc., devem melhor serem entendidos como disciplinas mentais. Epicuristas e estóicos, ao negarem o agir no mundo para se alcançar esta paz de espírito, sacrificavam a vida na tentativa de se manter neste estado ideal, que não passa de um estado mental. Com isso, perdiam o tesouro inestimável da experiência humana. Esta disciplina mental só pode ser verdadeiramente útil quando encarada como condição de melhor execução da Vontade. (Ou seja, como virtude menor).
Autor: Frater Al-Dajjal