Fazendo Sua Vontade

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Quando nos defrontamos com a filosofia Thelêmica, uma das primeiras coisas com que topamos é, obviamente, a Lei de Thelema: “Faze o que tu queres será o todo da Lei”. A quase totalidade dos novos aspirantes a Thelemitas têm, de imediato, a ideia de terem encontrado uma filosofia de vida que lhes dará o respaldo para saírem fazendo o que bem entenderem, sem se preocupar com responsabilidades ou consequência. Afinal de contas, não é “tudo da Lei”?

Não, não é.

Com um pouco mais de maturidade dentro de Thelema, vai-se aprendendo que a Lei Thelêmica é uma lei de liberdade sim, e liberdade plena. Porém essa liberdade vem com um custo; um custo muitas vezes altíssimo. Afinal de contas, como se costuma dizer, o trato é justo. E o trato é sempre justo. Pois a liberdade prometida por Thelema não é, em absoluto, a liberdade iconoclasta, agressiva aos outros. É, antes disso, a liberdade advinda da responsabilidade que um indivíduo adquire sobre si mesmo, consequência de uma disciplina e de um amadurecimento auto-infligidos. Isso porque a liberdade Thelêmica não é a liberdade de fazer qualquer coisa e sim a liberdade — e o dever — de se fazer uma única coisa: a tão falada Verdadeira Vontade.

E isso é um ponto a ser considerado. Com muita seriedade, aliás. Pois, como se diz em outro ponto do Livro da Lei, “tu não tens direito de fazer senão tua vontade”. Isso significa que os verdadeiros Thelemitas são talvez as pessoas que vivam sob a mais restritiva das filosofias. Pois realizar apenas a Verdadeira Vontade é algo, obviamente, bastante complicado, posto que não nascemos, infelizmente, com um livrinho de instruções sobre o que vem a ser a nossa Verdadeira Vontade individual. Desta forma, o primeiro passo para se alcançar essa liberdade de fazer o que se quer, é saber o que se quer. Ou seja, reconhecer essa tal de Verdadeira Vontade.

Aquele tal senhor Crowley teve o método dele, que consistia, basicamente, em sair experimentando tudo pela vida afora, de todas a formas possíveis e imagináveis. Se deu certo, não podemos dizer que sim, nem que não. Mas inegavelmente um método, ainda que, compreensivelmente, primitivo e com resultados pouco satisfatórios para a saúde dele. Podemos encontrar registros de vários outros métodos, utilizados por vários outros seguidores do Liber AL vel Legis, os quais podem ser estudados e experimentados. Porém o que não se pode esquecer, jamais, é que o método para se encontrar a Verdadeira Vontade é, antes de mais nada, individual. O que funcionou para um não irá necessariamente funcionar para outro e vice-versa. Utilizamos experiências passadas de outras pessoas como referências para nossos próprios estudos e desenvolvimento mas não podemos lançar mão delas como respostas prontas e universais. Aliás, Thelema é uma filosofia que prima pela absoluta falta de respostas universais. Assim, seja pelo Yoga, pela Cabala, pelo estudo da Astrologia, pela oração fervorosa ou pelo método que melhor funcionar com cada um vai-se aos poucos tomando noção do que é a nossa Verdadeira Vontade.

Mas, de uma forma genérica, o que vem a ser uma Verdadeira Vontade? Essa é uma das bases da filosofia Thelêmica e deve ser compreendida para que bobagens não venham a ser feitas. Antes de mais nada, deve-se ver que Thelema acredita no princípio de uma parte constituinte do Ser Humano que seja indestrutível e eterna, a qual chamamos de Centelha Divina, a qual existe em um nível mais inefável que a Alma e o Espírito. Essa Centelha Divina é o foco de divindade presente em cada ser vivo existente e, alegoricamente, é uma parte individualizada do Todo, o qual pode ser considerado como Gaia, Deus, a Deusa, IHVH ou da forma que a pessoa desejar. Entretanto, mais por uma questão de facilidade, como Thelema costuma trabalhar com o panteão egípcio, denominamos esse Todo de Nuit, a deusa do céu noturno, e dizemos que as Centelhas Divinas são as estrelas de seu corpo. É por isso que se diz que todo homem e toda mulher é uma estrela. Ou seja, cada um de nós possui dentro de si essa fagulha de divindade. Encontrar a Verdadeira Vontade e realiza-la é utilizar essa fagulha como a isca que irá incendiar nossos espíritos e nos permitir atingir nosso pleno potencial divino. Ou seja, aquele que caminha de acordo com sua Verdadeira Vontade caminha em conformidade e harmonia com o Todo, não mais participando do fluxo de dor e sofrimento trazido pela não-compreensão do mundo e de seus processos e encontrando prazer e prosperidade no ato de viver e cumprir sua missão.

Pois a Verdadeira Vontade é justamente o motivo pelo qual essa Centelha Divina encarnou nesse plano em que vivemos. É o objetivo maior de nossa existência e o caminho que, ainda que de forma inconsciente, buscamos seguir, posto que acaba sendo o caminho de menor resistência pela vida. Mas isso nos leva, como sempre, a uma outra pergunta: como sabemos estar cumprindo ou não uma Vontade que não sabemos o que é. Há filósofos dentro de Thelema que criaram uma linha de pensamento que podemos chamar de “Determinista”. Diz esta que, no final das contas tudo o que fazemos é um reflexo, ainda que distorcido, de nossa Verdadeira Vontade pois esta é nosso destino final e não podemos nos afastar da linha de ação imposta pela mesma por mais que tentemos. Assim não precisamos nos preocupar muito pois não teremos mesmo outro jeito de fazer as coisas que não seja o de nossa Verdadeira Vontade e tudo o que fizermos será realmente parte dela. Há outros filósofos, porém, que seguem uma linha de pensamento, que pode ser chamada de “Ativista”, que diz ser a Verdadeira Vontade uma parte muito específica de nós mesmos, submersa em meio a uma infinitude de pensamentos, desejos, caprichos e etc., sendo obrigação nossa peneirar esse “cascalho mental” para que possamos descobrir e, então sim, seguir essa Verdadeira Vontade e que, para isso, devemos estar permanentemente atentos a cada ato nosso para que, através de um tremendo autoconhecimento, possamos descobrir “pistas” da Verdadeira Vontade para que a conheçamos e sigamos. Há ainda aqueles que seguem uma versão intermediária desses dois pensamentos e consideram que muito do que fazemos é um reflexo da Verdadeira Vontade e que, ainda que imperceptivelmente, buscamos sempre seguir em sua direção mas por estarmos imersos em uma confusão de desejos, ilusões e caprichos muitas vezes não nos damos por conta disso e quase sempre nos afastamos do caminho da Verdadeira Vontade. Entretanto, não importa com qual dessas linhas de pensamento se concorde, uma coisa é pacífica, a ideia de que a Verdadeira Vontade não deve jamais ser confundida com os caprichos de nosso dia a dia ou com desejos passageiros.

Dessa forma, o que parece ao iniciante à filosofia Thelêmica como uma conveniente desculpa para justificar qualquer coisa que se faça, torna-se para o estudante sério uma injunção a um profundo estudo de sua própria psique, uma jornada rumo à individuação. Entretanto esse tipo de caminho não se trilha de forma leviana. É necessária uma severa disciplina para que a mente e a alma tornem-se livres das ilusões do mundo. É necessário o profundo conhecimento das ferramentas usadas para tanto, que podem ir da própria Magick até o Yoga ou a Cabala. Em suma, é preciso muito trabalho e disposição, muita disciplina para as práticas e um profundo desejo de se chegar a esse prêmio.


Autor: Frater Horus Menthu

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