Exaltação

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[…] Na cerimônia seguinte mostro como o indivíduo, libertado pela morte da obsessão da personalidade, retoma relações com a verdade do universo. A realidade explode em cima dele em uma chama de luz adorável; ele é capaz de apreciar seu esplendor como ele não podia fazer anteriormente, já que sua encarnação lhe permitiu estabelecer relações particulares entre os elementos da eternidade.”

Confessions of Aleister Crowley, p.700-704, a respeito dos graus da O.T.O.

No sistema de consecução proposto pela O.T.O., o momento iniciático descrito como “Exaltação”, na Tríade do Homem da Terra, é sequência natural à experiência iniciática da “Morte” e antessala da devolução do indivíduo às estrelas, por meio de sua “Aniquilação” (experiência esboçada num artigo anterior).

O que é a “Exaltação” do ponto de vista deste autor, que a viveu um pouco e ainda tenta sintetizar essa experiência em seu próprio corpo? É um entusiasmo (estar cheio de deuses), a potência individual se manifestando como luz cristalina, a alma em contato regozijante com os tesouros espirituais que nela habitam e que se manifestam simultaneamente como estado de graça e como vontade de ação no mundo. Uma ação poderosa, repleta de shakti ou energia, enraizada no Manipura como poder pessoal (e quão intensas são as visões das joias espirituais, os beijos deliciosos, a recompensa por tanto trabalho!); ação assertiva, transpirando Magia, coagulando a própria presença como significativa e relevante no seu ambiente.

A experiência espiritual da Exaltação é uma forma de apocalipse – um cair de véus. Por meio das práticas iniciáticas do morrer, os caminhos viciados do eu são ceifados e um mundo maior se revela. Usando as palavras de Crowley, a alma é por esse meio “libertada da obsessão da personalidade”. Dessa forma, ela é iniciada na vida além do eu.

Os tibetanos postulam que, após a morte física, a consciência se encontra nos bardos (zonas intermediárias entre a morte e um renascimento). Ainda que isso vá nos acontecer a todos após a morte, também a alma deve atravessar esses bardos em vida. Morrer e renascer enquanto vivos é, afinal, o sumo da proposta da iniciação. Nesses campos e florestas da vida secreta além do eu, habitam deuses e demônios fantásticos: lascivos, regozijantes, iracundos, benfazejos… memórias do passado, apegos e aversões atávicas, sonhos de vidas futuras… são os personagens titânicos dos bastidores de nossa alma; eles nada devem a nosso tísico ideal de humanidade e com frequência fazem chover bênção e fúria sobre nós. A eficácia da consciência treinada na Exaltação está em suportar o tremendum da visão dessa coxia existencial. Esse vigor amadurece tanto pela equanimidade da meditação como pelo fervor da devoção: “inflama-te a ti mesmo em oração”.

Um corpo forte e um corpo de luz forte – isto é, o corpo de energia sutil que formulamos através do treino mágico – são chaves que acessam o portal desse mundo de imagens que se formam a partir da pura luz. Esse é o mundo que Paracelso chamou de imaginatio vera: uma usina de produção de imagens vivas, autônomas e enérgicas, animadas pelo fogo do espírito, significativas em informações que dialogam diretamente com a vida da(o) iniciada(o), o que as distingue da fantasia passiva e da divagação zumbificada. Essa é a principal importância das técnicas de imaginação ativa e viagem astral praticadas em escolas iniciáticas como a O.T.O.: o desenvolvimento do corpo de luz, esse órgão intuitivo de percepção e conversação com imagens (ou espíritos) que estão além do sensorial.

Essa corporificação da intuição talvez seja consenso entre iniciadas(os) de todos os tempos como caminho de acesso para este mundo secreto. À medida que eu paulatinamente o acesso, se eu me encanto com seus deuses e demônios, eu estou condenado a obsessão por um deles – mas se eu aprendo a arte da equanimidade e a firmar presença diante da amorfa luz astral, eu posso contemplar a indefinição de sua realidade enquanto “luz adorável” e gradualmente me conscientizar a respeito da minha verdadeira vontade. Os bardos então se abrem como estradas de realizações possíveis, como o Liber XV (a Missa Gnóstica) poeticamente descreve:

Para aqueles de cujos olhos o véu da vida caiu possa ser garantida a realização de suas verdadeiras Vontades; seja sua vontade a absorção no Infinito, ou estar unido com seus escolhidos e preferidos, ou estar em contemplação, ou estar em paz, ou alcançar o trabalho e heroísmo da encarnação neste planeta ou em outro, ou em outra Estrela, ou qualquer outra coisa, a eles possa ser garantida a realização de suas vontades […].

Se a principal consecução para a(o) iniciada(o) na Exaltação é, como um bode, saltar da Terra e poder ir e vir nos planos sutis (no retorno, coagulando as imagens alinhadas à sua Obra naquele momento), seu principal ordálio talvez seja o deslumbramento. A luz pode cegar. Eu posso apegar-me à visão espiritual como realidade absoluta. Eu posso me identificar com uma de suas formas temporárias, com a lei e verbo criador de um deus ou demônio, perdendo-me de mim mesmo, pois os vetores do inconsciente são muitos e eles podem momentaneamente ou permanentemente me alienar de minha órbita.

Vem-me à mente o zelo proposto por Crowley no Liber O vel Manus et Sagitae:

Neste livro é falado das Sephiroth e dos Caminhos, de Espíritos e Conjurações; de Deuses, Esferas, Planetas e muitas outras coisas que podem existir ou não. É irrelevante se elas existem ou não. Pois fazendo certas coisas, certos resultados seguem-se; estudantes devem ser seriamente advertidos a evitar atribuições de realidade objetiva ou validade filosófica a qualquer um deles.

E ainda:

O estudante […] será confrontados por coisas (conceitos ou seres) deslumbrantes ou terríveis demais para serem descritos. É essencial que permaneça o mestre de todas essas considerações, vozes ou percepções; ou será escravo de ilusões e vítima da loucura.

Sobretudo, me parece que a principal tarefa da(o) nova(o) Exaltada(o) é lembrar-se de que a luz que ele viu e sente correr em seu corpo é um ouro precioso que ela(e) não poderá reter por muito tempo. O mistério da entrega está a um só passo adiante. Isso significa que tudo aquilo que foi conquistado precisa ser desapegado; todo aquele delicioso poder pessoal vai se deparar com uma súbita mudança de gravidade, pois além do véu da luz adorável, na escuridão da noite que tornou a própria luz possível, está Nossa Senhora Babalon e a Sua taça, atraindo o nosso sangue. O destino final de toda aquela energia Exaltada é um estado secreto, o silêncio de uma união profunda, invisível até mesmo aos olhos do espírito, pois está além de qualquer manifestação ou imagem. Esse é o ventre de Babalon, o começo e o fim de tudo. E, ali, a delícia da Exaltação é desaparecer.


Autor: Frater Bodhicitta

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