A Indústria da Espiritualidade

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Vivemos no mundo Ocidental. Bem, pelo menos posso dizer que a maior parte das pessoas que estarão lendo este artigo viva, por mais que praticantes de ocultismo tenham contato ou pelo menos busquem uma emulação de várias práticas e formas de viver do mundo Oriental. Mas, na prática, em nosso dia a dia, vivemos no Ocidental. E uma das características deste mundo é a busca da felicidade no externo, seja em outra pessoa, um círculo social, uma atividade ou o que for. Mas somos também esse grupo que trabalha em preceitos da dupla Ocultismo e Misticismo, que preconizam uma autoconsciência e uma busca por uma plenitude que parta do interior, desobrigada de elementos externos. Uma busca da felicidade pelo espírito, não pelo material. Há algo errado com isso? Não diretamente. Mas tem surgido um aspecto bastante obscuro disto.

Há algum tempo vem surgindo uma verdadeira indústria do espírito.

E, certamente, tem sido uma das mais lucrativas indústrias recentes. Seu crescimento é explosivo. Duvida? Faça uma busca por canais de ioga (sic) e perfis de mindfulness. São milhares! A cada esquina se encontram instrutores, coaches e mentores que lançam mão dessas técnicas. Óbvio que o Yoga é benéfico (essencial, até) e o mindfulness já é comprovado desde o Quietismo de Molinos. Mas com um mínimo de conhecimento e observação nota-se que essas práticas, divulgadas como a verdadeira chave da felicidade”, estão bastante longe das práticas e pensamentos originais. Mantém-se a estética, joga-se um bom marketing e pronto! Temos a versão 2.0 requentada do Yoga e da meditação, vendendo a eterna e completa felicidade.

Convenhamos, isso é colocar a felicidade como se esta fosse algum tipo de passagem vitalícia para uma eterna tarde de domingo, com todo mundo de bobeira e com um sorriso idiota no rosto. Bem, a felicidade não é isso, sinto se desapontei alguém. Felicidade é, como tudo, um estado de espírito transitório, que nos chega de tempos em tempos para ser aproveitada enquanto não se vai. É algo totalmente diferente do estado de serenidade que o caminho espiritual busca. E justamente por isso a felicidade é algo tão especial.

Na verdade, essa indústria do espírito tem mais a ver com ganhos financeiros do que com uma real serenidade e saúde para as pessoas. Ou mesmo com felicidade. Só nos EUA são mais de vinte milhões de pessoas envolvidas com algum tipo de ioga, meditação ou mindfulness. Essas pessoas consomem cursos, vídeos, roupas e acessórios, em um mercado que movimenta mais de US$ 14 bilhões anuais. Atualmente, a ioga é a quarta maior indústria dos EUA, um país que tem a busca obsessiva pela felicidade em sua própria Constituição e cuja cultura influencia fortemente quase todo o mundo Ocidental.

Uma influência que é ainda maior nos países cujas sociedades industrializadas já têm garantidas, em sua maioria, suas necessidades básicas de moradia, alimentação e diversão. Uma garantia que acaba levando a um vazio existencial que não é muito sentido por aqueles para quem ter o mínimo dessas necessidades já ocupa a maior parte de suas vidas diárias.

E o resultado desta garantia, nessas sociedades, é a busca por grupos e “gurus” que lhes preencham esse vazio.

O resultado? Estamos entrando na era do narcisismo new age. Um egocentrismo que referencia quase que exclusivamente a si mesmo de forma feroz e raivosa. Uma espécie enlouquecida de mens sana in copore ostendunt. O neo guru insta seus gafanhotos a tratarem-se maravilhosamente enquanto olham para seus umbigos, descaradamente dando uma banana para qualquer outro ser humano, que se não faz ioga e atinge o mindfulness já é visto como preguiçoso, pouco empreendedor ou outro chavão do tipo.

Esse tipo de coisa não lhes parece familiar? Bem, pelo menos para quem tenha mais de 30 ou 40 anos vai lembrar da febre das academias nos anos 90 e 00, quando se você não puxava ferro ou ficava pulando de roupa colada não era sequer visto como um ser humano. Claro que essa obsessão pela perfeição corporal nunca acabou. Só o que mudou foi a oferta, pois a procura sempre esteve aí. Saíram os professores de aeróbica, entraram os instrutores de ioga. E se antigamente reverenciava-se a velhice por sua sabedoria, cada vez ela é mais vista como simples decrepitude e deve ser evitada a todo custo. Nega-se a morte cada vez mais obstinadamente. O idoso contemporâneo já não se assegura dessa sabedoria mas vai malhar na academia e terceiriza a sabedoria com o coach espiritual da moda.

Uma das coisas que se aprende na Cabalá é que verdadeiras transformações não são feitas com movimentações espetaculares e rápidas e sim com labor e paciência. O resto é ilusão.

Uma ilusão que se percebe facilmente. Afinal, se temos tantos gurus, coaches e instrutores, porque a depressão é uma doença que cresce tão fortemente hoje em dia? Onde estão todos esses praticantes de ioga (ok, mesmo aqui eu me recuso a chamá-los de iogues, tudo tem limite) e mindfileds felizes e satisfeitos?

No fim das contas, tudo é ilusão. Uma ilusão vendida cara, usando roupas e tapetinhos de marca que de espiritual pouco tem, mas sustenta uma estrutura de alto giro financeiro e busca de status social. Um conto do vigário onde, propagandeando-se um mergulho em si mesmo, o que se tem é uma entrega de sua própria vida na mão de alguém que sequer é quem diz ser. Pessoas que estão mais preocupadas nos seguidores do Instagram ou nas assinaturas de seu canal no YouTube do que em um trabalho espiritual verdadeiro. Se isso não é uma indústria – e uma indústria perigosa – eu não sei o que é.


Autor: Frater Hrw

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