Os Sete Pecados Capitais

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De novelas a animes, este sempre foi um tema que animou (sorry, trocadilho) o pessoal. As pessoas simplesmente têm um certo fascínio pelos Sete Pecados Capitais do Catolicismo Romano. Mas quem são eles? De onde eles vêm? Onde vivem e do que se alimentam? Vamos dar uma olhadinha nisso agora e tentar entender a sua importância.

A coisa é até bem anterior ao cristianismo. Já bem antes, nosso parça Aristóteles vinha com a ideia de que na vida é necessário um certo equilíbrio das coisas. Aí ele propõe, em “Ética a Nicômaco”, que o bicho humano possui uma série de virtudes, que podem ser entendidas como qualidades e atitudes saudáveis e positivas. Quer exemplos? Eu dou exemplos. Coragem, comedimento, autocontrole, generosidade, gratidão e por aí vai. Mas o que fazia dessas qualidades virtudes? Para o Arizão, elas eram pontos de equilíbrio, meios termos entre atitudes extremas. Vamos ver, digamos, a coragem. Se você tem pouca coragem, é medroso; deixa-se dominar pelo medo e trava. Mas se você tem coragem demais, é temerário e acaba fazendo um monte de besteira. Logo, a coragem é a virtude que equilibra os vícios da covardia e da temeridade. Simples, não?

Acontece que lá pelo início do Cristianismo (é, por volta do meião do Séc. I e.V.) um monge grego chamado Evágrio Ponticus pegou esses conceitos de vícios e virtudes e resolveu fazer algo com eles. Só que, ao contrário do pensamento relativista do Aristóteles, Evágrio tomou a ideia de vício absolutos (muito provavelmente com uma pitada de influência das “Odes” do Horácio), chamando os vícios de “pensamentos maléficos”. As virtudes? Bem, sendo um bom cristão lá no início da coisa, o Vavá estava mais interessado nos pecados do que em qualquer coisa. Com base nisso, ele montou a seguinte lista de atitudes que deveriam ser evitadas para a salvação da alma, divididas em três grupos:

  • Apetites:
    • gastrimargia, ou gula
    • porneia, ou fornicação
    • philargyria, ou avareza
  • Ira:
    • orgē, ou ira
  • Corrupções
    • hyperēphania, ou soberba
    • lypē, ou tristeza
    • kenodoxia; ou ostentação
    • akēdia, ou preguiça

Acontece que no ano 590 e.V. tinha um papa chamado Gregório que tinha por passatempo ficar mudando tudo. Se mudou calendário, mudou também os pecados, criando a lista que conhecemos hoje em dia: gula, luxúria, avareza, ira, orgulho, preguiça e inveja. Foi também quando passaram de pensamentos que deveriam ser evitados a pecados capitais, ou seja, imperdoáveis aos olhos de Deus Todo-Misericordioso.

Mas, na prática? O que significa cada um deles?

A Preguiça não é só aquela vontade de passar o dia maratonando série na Netflix. Mais do que isso, é um não se importar com as coisas. O famoso “deixa para lá”, não ligar para nada e nem ninguém. É considerada como a origem do tédio, do rancor, da apatia, da inércia mental e da autopiedade.

Ainda que a Luxúria seja primordialmente identificada com o sexo, o conceito vai mais além. Esta é a completa falta de controle sobre qualquer coisa que cause prazer. Então, não é só o desejo sexual fora de controle como também os vícios (sejam em drogas ou em, por exemplo, jogos), as compulsões, as obsessões e por aí vai. Outras formas de desejo incontrolável caem aqui também, como o desejo por poder, por exemplo.

Por outro lado, a Gula está ligada a outro tipo de descontrole, não só o da fome. Aqui temos mais a questão da autoindulgência do que realmente só querer se entupir de miojo. No caso, estamos falando de quando consumimos qualquer coisa por uma satisfação não do corpo mas do ego. Não é só comer, é o “eu como, eu bebo, eu consumo porque eu posso e danem-se as consequências”. E acabamos caindo em comportamentos como o do alcoolismo, doenças ligadas à obesidade ou mesmo o consumismo.

A Avareza, por sua vez, está ligada também a um descontrole: o da posse. “Tudo que eu vejo é meu, tudo o que eu quero eu faço o que tiver de fazer para conseguir” é o lema do avaro. Nem preciso dizer que aí temos o ciúmes, vários crimes passionais, a ganância etc. Tem um pouco de psicopatia aí, sim.

A Ira é muito fácil de entender como aquela raiva danada que brota dos intestinos. Mas, claro, não para por aí. Outros sentimentos como a intolerância, a misantropia, a impaciência e a paranoia são englobados por esse pecadinho tão matreiro que acaba levando a pessoa a um caminho de autodestruição, onde o abuso de drogas e o suicídio não estão descartados. E não vamos nos esquecer que é um sentimento que também pode ser dirigido contra si mesmo.

Já a Inveja refere-se mesmo a quando olhamos para a proverbial grama do vizinho e pensamos: “PQP, o carro dele é melhor do que o meu”. É aquela dor no peito quando alguém é promovido no nosso lugar, ou quando somos nós que perdemos o emprego e não a outra pessoa. Em suma, o não aceitar que outra criatura neste planeta consiga um tico a mais de boa situação do que nós mesmos. O problema é que a inveja que sentimos mascara, muitas vezes, uma autoavaliação honesta de nós mesmos. E é aí que coisas como desejos de vingança e frustrações aparecem.

Por fim, o Orgulho não se refere aquele sentimento gostoso de que fizemos algo bem feito. Nope… Em muitos escritos ele é considerado como a origem de todos os outros Pecados Capitais e fala de quando olhamos para nós mesmos de forma totalmente sem noção e alguém precisa nos dar uma caixinha de “paracetamal”. É esse orgulho que nos faz surdos a qualquer coisa que não seja uma validação de nossas próprias ideias e conceitos, a razão dos preconceitos, do fanatismo e da intolerância a qualquer coisa que não seja um reflexo narcísico nosso.

Bem, depois de todo esse blá blá blá podemos concluir que, embora a Igreja Católica tenha um monte de coisas que deveriam ir para a lata do lixo, aqui eles acertaram e esses tais de Pecados Capitais deveriam ser mesmo evitados por qualquer pessoa com um mínimo de bom senso pois são umas coisinhas ruins para dedéu, não é mesmo?

Sim! E… Não! Vamos deixar o maniqueísmo na posição “off” por um tempinho e dar uma olhada melhor nessas coisas.

Repararam que todos os Pecados Capitais têm uma coisa em comum? Todos eles são uma forma de descontrole, de excesso de alguma coisa. Mas de onde vem essa “coisa”? Aí vamos ter de cavar mais fundo, lá no interior das nossas cacholas (o que, para quem tem menos de 40 anos, significa “cabeça”).

Por mais que gostamos de olhar para nós mesmos e nos colocarmos no alto do pedestal do mundo, a grande verdade é que ainda somos uns macacos sem pelo. Dentro de todos nós estão aqueles mesmos instintos básicos que estavam nos nossos ancestrais. Comer, abrigar-se, dar umas bimbadas… Tudo continua lá dentro do que o Freud chamava de “id”. Nossos instintos (ou pulsões, como queira) primitivos que nos fazem querer comer, obter prazer, não gastar muita energia ou mesmo sobreviver. Se os seguíssemos pura e simplesmente, fazendo qualquer coisa que eles nos empurrassem para fazer, viveríamos no que o Thomas Hobbes chamou de Estado Natural. Problema: fica complicado. Se por um lado o Joãozinho pode achar muito legal, tipo pegar o sanduba do Zequinha só porque está com fome, o Zequinha não vai gostar nada disso. Ou seja, nossos instintos básicos atrapalham um bocado na hora de viver em sociedade. E, só para não deixar no ar, é aí que surge a necessidade do que o Hobbes chama de Leviatã, o estado que regula as interações humanas (para simplificar mais do que palito de dentes).

Então, se formos pensar bem, evitamos esses instintos básicos para podermos viver em sociedade. Logo, reprimi-los é a saída, não é mesmo?

Eu não disse lá em cima para desligar um pouco o maniqueísmo? Ainda que meter o louco e sair dando vazão a todo instinto não vá dar lá bom resultado quando em sociedade, não tem como negar que esses instintos estão lá. E eles são justamente a “coisa” que sinalizam os Pecados Capitais. Simplesmente restringi-los não dar boa coisa também. Porque eles estarão gerando dentro de você uma força que, uma hora, vai querer sair.

Ok, está na hora de colocar Thelema no pedaço. Até que enfim, não é mesmo?

Pensa assim… Quando somos crianças aprendemos a ficar longe das tomadas. Elas dão choque e coisa e tal. Quando crescemos, aprendemos que uma coisa é ligar um aparelho na tomada, outra é enfiarmos um clipe de papel nelas. Da mesma forma, durante o Eon de Osíris entende-se que a humanidade ainda estava no estado “clipe na tomada” quanto à compreensão de si mesma. Tirando de cena a coisa toda da dominação social, éramos instruídos a reprimir nossos instintos porque senão o Papai do Céu ficaria zangado e a gente iria para a casa do Sete Peles e ponto final.

Mas já estamos ficando grandinhos. Não precisamos mais de uma restrição simplista do “não faz”. Temos condições de entender de onde vêm e como funcionam esses instintos. E, o melhor de tudo, aprender com eles. Afinal, os vícios estão a serviço de Algo Maior, não é mesmo?

“Ah, então é para liberar geral!” Não, Joãozinho, não é por aí. Como sempre, a palavra-chave é “consciência”.

Somos exploradores de nós mesmos. Cientes de que somos feitos, para usar um baita clichê, de luz e de sombra. Deixar fluir de uma forma consciente tanto nosso id quanto nosso superego, para voltar a usar a linguagem freudiana, é uma forma preciosa de autoconhecimento. Ao não reprimir mas saber direcionar essas forças primordiais do ser humano estamos construindo algo melhor de nós mesmos.

Cada Pecado Capital é uma chave a ser explorada sobre quem somos, tanto quanto indivíduos como quanto sociedade. Se por um lado, usar essa força primal que temos pode nos impulsionar em direção a quem realmente somos, saber lidar com seus limites e consequências é o que nos torna, espiritualmente falando, adultos. Não pelo medo que tenhamos que uma divindade consideravelmente mau humorada e com problemas com seu filho resolva nos castigar. Isso é passado, mas pela compreensão de que somos livres para sermos nós mesmos (em todos os níveis) sem deixarmos de ser criaturas socialmente responsáveis.


Autor: Frater Hórus

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