Começo mostrando o objeto da alma pura, “Una, individual e eterna”, na
Confessions of Aleister Crowley, p.700-704, a respeito dos graus da O.T.O.
determinação de se formular conscientemente, ou, como posso dizer, de se entender. Ela escolhe entrar em relações com o sistema solar.
Finalmente nos aproximamos da porta de entrada da Ordo Templi Orientis: o Grau de Minerval. No nosso sistema iniciático, o momento da Aproximação, ou, ainda, de Fecundação, é a operação de magia que acontece àquelas pessoas iniciadas no Minerval, onde se tem a oportunidade de formular conscientemente o curso de sua futura ação dentro de nossa Ordem e na vida em geral. Previamente, esbocei impressões totalmente pessoais sobre os Graus seguintes a este, nos artigos: Purificação (o Nascimento),Consagrações (a vida),Devoção (a morte), Exaltação e Aniquilação.
A pessoa iniciada no Minerval – que recebe este nome da deusa romana Minerva, Senhora da Sabedoria – está no momento de conhecer a O.T.O. sem ter criado vínculo definitivo com ela. Nesse momento, as portas da Ordem estão abertas diante de si, mas ainda não foram atravessadas. Com o apoio da sabedoria de Minerva, o querer precisa ser formulado.
Num nível macrocósmico, o Grau de Minerval simboliza momentos prévios ao nascimento, estabelecendo condições da alma para que ela possa ter uma Encarnação auspiciosa, isto é, com condições favoráveis para a prática espiritual e para a realização da Grande Obra. Num nível microcósmico, o Grau de Minerval trabalha a energia daqueles momentos quando estamos nos preparando (ou sendo preparados por forças maiores) para iniciar um novo fluxo de ação.
A energia do Grau de Minerval trabalha sobre o caos interior. O caos é a massa amorfa, a matéria-prima dos alquimistas, nossa matriz e mãe. Sua pura potência ainda não se converteu em trabalho, e por isso ainda não está criando. Antes, precisamos estabelecer condições para isso. Esse é o ponto de partida da Iniciação.
Vamos aproximar isso da prática: lembre-se de quando você esteve num momento existencial perdido, indeciso, angustiado, sem qualquer referência, talvez até desesperador. Se você só experimentou isso uma vez, você provavelmente é uma pessoa privilegiada e alienada. A pedra bruta da dor sem sentido costuma nos ferir incontáveis vezes. Lembre-se de quando você agiu, ou age, como um cão cego e abandonado, caçando o próprio rabo e uivando com medo e raiva para sombras nas paredes, assustando e afastando todos ao seu redor, só tendo o seu instinto para reagir ao sofrimento, mas também sofrendo ao perceber quão impotente ele é.
Não tem jeito, o caminho aqui é para baixo: o fundo do poço dos becos sem saída com sorte podem produzir o estalo ou motivação para o caminho iniciático – o caminho de fazer consciência –, que começa no transe da dor de ver no espelho a própria ignorância, e por fim percebê-la como a condição da escravidão que você vive ou viveu em tantas esferas da vida. Reconhecer a escravidão é o primeiro passo para eu entender como ela se dá, me revoltar contra isso e poder ser livre.
Durante as fases mais terríveis da Obra, é importante que nossa atitude seja de espera e contemplação (e inclusive de aceitar ajuda!), pois qualquer reação provavelmente vai ser um espasmo enraizado em ignorância e tenderá a produzir mais frutos de sofrimento. O momento de agir é outro. Esse será o momento que Crowley descreveu como “[a alma] escolhe entrar em relação com o sistema solar”. Algo maior se apresenta. Isso significa que as colisões enérgicas do caos em algum momento têm janela de oportunidade para produzir cosmos, organização, e com isso lucidez. Esse é o momento oportuno: às vezes temos mais consciência e o valorizamos, às vezes estamos mais inconscientes e somos simplesmente arrastados. De qualquer maneira, pela virtude da relação com algo maior, podemos contemplar nossa limitação e começar um trabalho de transformação. Esse “algo maior” aqui é simbolizado pelo sistema solar, com o Sol da consciência no seu centro, e na prática podemos entender isso como toda relação que nos coloca diante de um ciclo maior que o umbigo de nossa ignorância.
Aqui, ocorre a Fecundação de um novo alento. No Minerval, trabalhamos a realidade espiritual de quando o Anjo sopra seu fôlego em nós, e seu hálito é o próprio amor de Nuit, fermentando nossa massa interior com movimento secreto, que poderá produzir o pão que alimenta a alma. Esse é o começo do caminho na nossa Ordem – mas aqui já não está prenunciado o maior sacramento espiritual? Essa sugestão me foi soprada pelos meus iniciadores e até hoje medito nela: no Minerval, já está revelado todo o “segredo” da Ordem para aqueles que tenham olhos para ver e alma para sentir. Você pode literalizar o nosso segredo como uma técnica específica de magia sexual, e não estará errado. Mas se você sentir esse segredo como o abraço íntimo do Anjo com sua alma, que revela tesouros do mundo interior e inspira um rico aroma por onde você passar, eu acho que você estará mais certo.
Minerval é aquele que um dia se percebeu um verme rastejante – e tudo bem, a experiência da lama é também um sacramento da Terra! –, mas também percebeu sua nobreza estelar. É da maior importância exercitar essa consciência, em benefício próprio e comunitário, afinal, inspirar essa Luz uns nos outros e partilharmos do sacramento de suas várias cores, na diversidade de nossa liberdade, é um dos principais objetivos da O.T.O. enquanto irmandade.
Quantas ressurreições revelam a Luz dessa consciência! Quantas qualidades se manifestam à Luz do dia! Tão intensa pode ser essa Luz que, não à toa, Crowley grifou nos seus comentários ao Liber AL vel Legis: “nossa religião, para o Povo, é o Culto do Sol”. Mas o povo é exotérico, é de ordem externa, e sobre isso a Iniciação faz justiça: se para o povo nossa religião é o culto do Sol, nossas pessoas iniciadas jamais poderiam esquecer sua Fonte. A O.T.O., no começo e no final, aborda o segredo do ventre da luz, o Espaço, o tecido negro sideral sem o qual o Sol, nossa estrela particular, nada seria. Sim, o princípio e o fim são da Mulher Escarlate, nossa Mãe, Nossa Senhora BABALON. É Ela que dá à Luz. É Ela que a recebe.Independente do que vá futuramente nascer daí – pois não existe lei além de Faze o que tu queres – espero que todo Minerval possa senti-La e que possa reconhecer seu ventre como um lugar de repouso, de transformação e de todas as possibilidades. A escuridão do nosso ventre comum irmana a todos nós. Nela, nós somos um; nós somos nenhum. “Sim! a noite cobrirá tudo, a noite cobrirá tudo” (Liber LXV, cap 1., vers 15). Aos Minervais do mundo inteiro: sejam bem-vindas(os).
Autor: Frater Bodhicitta