Primórdios de Vida
Aliste Cróle nasceu em 12 de outubro de 1875 e.v, na fazenda de Clara Dona Quera, na pequena e pacata cidade de Juazeiro do Norte, no Brasil. Seu nome de batismo era Eduardo Alexandre Cróle e nasceu como membro de uma família cheia da grana e devota de Padim Ciço, sendo seu pai um destacado latifundiário da cana de açúcar. Desde cedo mostrou-se rebelde, sendo apelidao por sua mãe de “Cabra do Apocalipse” e mudando seu nome para Alisté (que era como uma escravinha costumava chamá-lo de noite) só para não ter o mesmo nome do pai, que morreu quando ele tinha 11 anos.
Sendo rico às pampas e não tendo o que fazer, acabou se metendo em um monte de confusão, desde tocar fogo no casebre das ferramentas até quase matar a mãe do coração quando destruiu a privada tentando comprovar a teoria de que “vaso ruim não quebra”. Tendo nascido com “aquilo roxo”, aos 10 anos já dava no couro, aos 14 não perdoava nem as cabras da fazenda e aos 17 já ostentava orgulhoso uma verdadeira coleção de doenças venéreas.
Sem saber o que fazer com o filho, Dona Cróle mandou-o para estudar na Capital e ele acabou matriculando-se na universidade, onde especializou-se em matérias como putaria, carteado, bebedeiras, etc.. Ou seja, continuou sendo um tremendo vagabundo, freqüentando mais os bordéis da Zona do Mangue do que as salas de aula. Mas como sua mãe era prima da cunhada de uma irmã do amigo da amante do Imperador D. Pedro II, acabou indo trabalhar no Corpo Diplomático da Coroa Imperial, onde poderia continuar sua vida de libertinagem, porres homéricos e falta do que fazer, mas pelo menos o faria com uma certa classe. Mas, sendo um rapaz esperto, percebeu que mesmo com os polpudos subornos que recebia no serviço público, aquela carreira não lhe garantiria um lugar nos livros de História; quando muito o manteria afastado das colunas policiais.
O Envolvimento com a Magia
Após passar por um porre homérico, regado a muita absinto e anisete, começou a procurar por coisas diferentes para fazer. A leitura do livro de Carlos Ecretause, “Chovendo Sobre o Molhado”, colocou-o em contato com a idéia de uma sociedade secreta de grandes iniciados, a qual dirigia os destinos da Humanidade desde o princípio dos tempos, a Grande Fraternidade de Branco. Entre um gole e outro, Cróle resolveu que seu grande objetivo a partir daquele momento seria arrumar uma boquinha juntando-se a esses tais de iniciados. E tanto fez que acabou entrando para um grupo denominado Ordem dos Pedreiros Iluminados, em 1898 , aos 23 anos de idade. Lá assume aquele que seria seu nome mágico mais conhecido: Pendurado (do tupinambá “peren du aratho”: aquele que não paga suas contas), avançando rapidamente nos vários graus da Ordem em direção ao estado místico de Paha-ra-yíba, de onde diziam vir todos os Verdadeiros Pedreiros, sob os cuidados do Grande Pedreiro, Seu Bené (que também apresentou-o à cachaça, da qual passaria a tomar litros e mais litros por dia). Seu Bené, conhecido como herdeiro espiritual de Pai Mateus, líder dos Pedreiros, saiu do Brasil em 1899, por razões de saúde (o vizinho cornudo voltou do ambulatório) e foi sabe-se lá para onde. Sem ter quem lhe colocasse um freio, Cróle saiu fazendo ainda mais bobagens e acabou sendo chutado para fora da Ordem antes que desse cabo dela.
Dizem que após ser expulso, Cróle mandou uma macumba tão bava para cima da Ordem dos Pedreiros Iluminados que esta deu com os burros n’água e acabou dividindo-se em grupos menores, tais como a Fraternidade dos Zeladores da Porta Sagrada, a Ordem dos Pedreiros da Santa Pá e outras, todas alegando serem os autênticos descendentes dos míticos Paha-ra-yibans.
A Escritura do Livro
Sabendo que se fosse pego pelos antigos companheiros de Ordem acabaria levando uma sova daquelas, Cróle resolveu fazer uma viagem bem longa. Passando por Ouro Preto, Miracema do Norte e Salvador, foi reenconrar seu antigo mestre, Seu Bené, em Olinda, onde ele dizia estar estudando a Alquimia Sagrada e técnicas milenares de Yoga. Na verdade, Seu Bené estava era fabricando e vendendo ilegalmente cachaça para uma colônia de franceses e gerenciando um pequeno mas bem próspero prostíbulo.
Nessa época, Cróle conseguiu passar sua primeira cantada bem dada na vida e acabou casando com D. Rosinha Quenga, irmã do pintor de paredes Geraldo da Quenga. Cróle achava Rosinha até bem jeitosinha mas não via nada de mais nela. Mas sabia que havia se casado com uma filha-de-santo experiente. Juntos, foram para Salvador, onde se daria a experiência mais importante de sua vida, em março de 1904 . Há muito tempo que Cróle tentava bater um papo com seu Exú-de-Cabeça, através dos métodos descritos no “Livro das Sagradas Simpatias de D. Amelinha, a Maga”, sem sucesso. Mas foi na Baixa do Sapateiro, através da interferência de Rosinha Quenga que Cróle veio a encontrar aquele que seria considerado como sendo o seu Exú-de-Cabeça.
De acordo com o diário de Cróle, enquanto ele tentava (sem sucesso), chamar um garçom do hotel para trazer uma birita para sua esposa, esta começou a receber uma mensagem astral de um antigo e já esquecido orixá, chamado Horácio. Sem acreditar no que via, Cróle começou a fazer uma série de testes para verificar o grau de veracidade desta comunicação mas foi convencido por sua esposa que uma prova de Geometria não era a melhor coisa a fazer naquele momento. Mesmo assim, Rosinha, que nem tinha terminado o 1º Grau, conseguiu responder a todas as perguntas. Assim, ele levou-a para tomar uns passes no terreiro de Mãe Mocinha de Oxumaré onde Rosinha apontou-lhe um velhíssimo patuá, escondido em um canto. Quando perguntou a Mãe Mocinha que patuá era aquele, a velha mãe-de-santo disse que era uma herança de sua tataravó, dedicado a um orixá que não se cultuava mais, chamado Horácio.
Após muitas velas acesas, ebós deixados em encruzilhadas, um bocado de trabalho com o tal do Horácio e muitos contos-de-réis no cofre de Mãe Mocinha de Oxumaré, Cróle conseguiu o que queria. Baixou o santo de uma entidade que dizia se chamar Eufói e que lhe fez escrever um livro chamado de Liberal do Lheguelhé, o Livro do Já Sei!. Esse livro tornou-se o ponto central da filosofia de vida de Cróle, ainda que de início ele o tenha perdido em um bordel de Porto Seguro. Crolé chamou a si mesmo de Profeta do Novo Som e disse que o Liberal marcava o fim de uma Era e o início da Era de Horácio, um novo começo para a humanidade!
O Profeta de Uma Nova Era
Após a escritura do Livro do Já Sei, Cróle escreveu para seu antigo mestre, Seu Mateus, dizendo que havia chegado o Enguiço dos Deuses e que ele tinha feito um bom acordo com os Mestres dos Secretos e que eles o haviam nomeado Coronel Mágico. Seu Mateus não gostou nada dessa história toda e os dois de pegaram em um arranca-rabo de magia no qual Cróle acabou levando a melhor. Dizem que Seu Mateus chamou até o Cramulhão para puxar o pé de Cróle mas este não se fez de rogado, colocou o chifrudo em uma garrafa e usou-o para dar cabo de Seu Mateus tempos depois.
Em 1907 , Cróle funda o Afoxé do Agogô (AA), primeiro afoxé centrado no Livro do Já Sei!, que havia sido encontrado pela cafetina de Porto Seguro e devolvido a Cróle. Dois anos depois ele começa a publicar “O Enquiço”, órgão oficial do AA, publicado no Carnaval e na Festa de São João. Como mais ninguém queria escrever em uma publicação tão xinfrim, a maior parte dos artigos era do próprio Cróle. Nesse mesmo ano, ele separou-se de Rosinha Quenga, que havia preferido ficar lá para as bandas de Porto Seguro mesmo.
Cróle e a Ordem do Terreiro de Oxente
Em 1910 , a casa de Cróle é invadida por um certo Teodoro Réis, líder da Ordem do Terreiro de Oxente. Réis armou um tremendo barraco dizendo que Cróle havia publicado o Segredo Secreto da O.T.O.. Depois de tomar uma jarra inteira de suco de maracujá, Réis mostrou a Cróle um trecho de um dos cordéis que ele havia impresso tinha convencido os líderes da O.T.O. de que ele praticava uma tal de magia sexual, a qual era usada nos rituais da Ordem. O único modo de fazer Cróle parar de rir foi oferecer uma vaguinha na Ordem para ele também, já que parecia não ter mesmo jeito. Foi o bastante para que Cróle acabasse virando o pai-de-santo da Ordem em 1912 .
A Abadia da Telma em Zé Faliu
Após a Primeira Grande Guerra, da qual nem ouviu falar, Cróle teve uma filha, Popinha, com Léia Hirsuta (também conhecida como Mulher da Luz Escarlate) e, em 1920 ele se muda para uma cidadezinha no Sertão Nordestino chamada Zé Faliu, onde funda a Abadia da Telma. O povo logo apelidou a tal Abadia de “Casa da Luz Escarlate”. Lá, Cróle entornava cachaça como nunca, mesmo quando viajava para o Rio de Janeiro ou São Paulo, atrás de dinheiro.
Quando um dos seguidores de Cróle, Raul Amado Dias, morreu por conta da água ruim do açude, a esposa dele, Betina Maria, vendeu a história para um tablóide de Pernambuco. Logo em seguida, os jornais de todo o Nordeste contavam histórias de pactos com o Canhoto e coisas piores, como jantares com Lampião. Já de saco cheio de toda essa história, o governador Cavalcanti bota Cróle e sua turma para fora do estado, deixando bem claro o que lhes aconteceria se voltassem a por os pés por aquelas bandas. Dali, Cróle viajou por diversas províncias, indo acabar em São Paulo.
Os Últimos Anos
Em São Paulo casou-se novamente, com Maria Tereza, uma espanhola graúda. Nessa época, já havia assumido plenamente a liderança da O.T.O., coisa que muita gente não gostou e saiu da Ordem para fundar outros grupos. Só que todos esses grupos também se chamavam Ordem do Terreiro de Oxente, o que acabou causando uma confusão danada. Em 1934, Cróle se meteu em uma baita confusão com um velha cafetina para quem devia dinheiro. Tentou dar uma de esperto mas acabou levando uma tremenda sova e ficou sem um tostão. Foi durante essa sova que um dos paus-mandados da cafetinha lhe deu o apelido pelo qual seria conhecido: “o homem mais idiota da face da Terra”.
Em 1939 publicou um livro chamado “Oito Conversas Sobre Jonga” e sugeriu um sinal de vitória para Getúlio Vargas (mas como era muito complicado, Vargas jamais utilizou ). Depois de 1945 passou a morar de favor na Pensão da Restinga, nos arredores do Rio de Janeiro, onde recebeu discípulos de quem nunca mais ouvimos falar.
Frater Pendurado morreu na noite de 1ª de dezembro de 1947, de gripe e ataque cardíaco, em seu cafofo na Restinga de Marambaia. Dizem as lendas que suas últimas palavras foram “ora, que m***”, mas ninguém sabe de onde isso veio pois não tinha mais ninguém em casa. No dia 5 de dezembro, foi enterrado como indigente no Cemitério do Cajú.
Nota
Dizem que houve um sujeito na Inglaterra cuja biografia parece ter se baseado na de Alisté mas que se deu melhor nessa história toda. Por falta de provas documentais, negamos que esse tal de Crowley tenha realmente existido.