A Liberdade da Restrição

Liberdade e restrição, fases do processo que movimenta a existência. Conceituar a ideia que nos é trazida pela palavra liberdade, talvez seja a mais paradoxal das aventuras. O âmago da palavra conceito, em sua etimologia com raiz no latim “CONCEPTIO”, ligado também a “CONCIPERE” – “pegar e manter firme” – desmonta o pressuposto sentido da palavra liberdade. Não se pode “pegar e manter firme” a Mãe das Possibilidades. É lógico que buscamos aqui um contato genuíno com a ideia, procurando entendê-la em essência, sem a necessidade da presença do sujeito que, via de regra, a transforma em objeto.

Liberdade não é algo que possa ser reduzido a uma mera entidade, a um simples agente ou a um trunfo a ser conquistado. Ela é fluida em seu sentido mais profundo; por ser fluida, é adaptável. E é neste ponto que ela se encaixa, se molda às necessidades do sujeito. Assim nascem as tentativas de “conceituar” a liberdade. Na mente humana ela se torna um conceito oriundo do movimento natural de identificação, do eterno jogo de espelhos que é a nossa manifestação. A liberdade tem a cara de cada um – e aí sim ela jaz condicionada, “escravizada” na restrição da forma.

Quando penso em liberdade não consigo sentir outra coisa diferente de movimento; lembro de sua fluidez – água. A água que movimenta a roda do moinho da vida; o eterno transformar daquilo que se manifestou através da restrição. A reciclagem da natureza é a maior prova de que a liberdade é a força motriz das mais variadas possibilidades de existência. A essência da mesma é movimento – eterna transformação. Transpor a forma, modificá-la.

E não há aqui nenhum sentido de valor – bem ou mal – há o sentido de possibilidade. A liberdade avança numa carruagem sobre as infinitas rodas da combinação. Ligações e reações químicas – força, poder e vida. Em física aprendemos que não há matéria sem que haja confinamento de energia em algum grau. Para tudo que vemos, ouvimos ou sentimos há uma energia combinada. A existência da forma depende da restrição.

Interessante é pensar que as possibilidades de existência dão-se através da condensação de energia, do “prensar” de infinitas moléculas. Elas “perdem” sua liberdade para tornarem-se algo novo, diferente. Morrem para renascer. É o aprisionamento que cria.

Esta é uma ode a eternidade do movimento – a liberdade do mesmo. O Livro da Lei nos traz uma ideia bem aplicável à colocação acima: “Esta é a criação do mundo, que a dor de divisão é como nada, e a alegria da dissolução tudo.” – Capítulo I, verso 30. Sendo a liberdade a força do movimento, a seiva da vida, toda forma é liberdade contida, é energia confinada.  Eterna maré. Infinita mudança. Paradoxos sem fim nos levam na tentativa de modular a inércia do Todo; na divisão do Um que resume a vida para manifestar-se através de “novas uniões” e possibilitar tudo o que vemos e não vemos.

Será esta a essência do sentimento de vazio que permeia a todos? Aquele reflexo de divisão que carregamos? A continuidade do movimento pede a oscilação das marés… Separo-me! Junto-me! “Pois estou dividida por amor ao amor, pela chance de união.” – Liber Al Vel Legis – Capítulo I, verso 29.

Considerações à parte, o que nos aproveita o vislumbre desta percepção? Não poderia ser mais óbvia a resposta, posto que somos parte do Todo, semente/fruto da Mente Maior, Microcosmo. Para elencar tudo
isto, cito novamente o Livro da Lei: “A palavra de Pecado é Restrição.” – Capítulo I, verso 41. Mas que não se restrinja o entendimento da palavra “pecado” a algo ruim, ou a erro em alguma instância. Trazendo para nosso contexto, pecado é apenas uma via. É transgressão de regras, e tudo que é regrado, em síntese, é estático. Não produz novas formas.

Contrapondo-se a isto, ouso dizer que a palavra de Redenção é Liberdade. No fim das contas, liberdade e restrição são faces da mesma moeda. Quem nunca precisou refrear suas atitudes, desejos e palavras em função de um interesse maior? Pautamos nossos comportamentos através das opções que temos,  num eterno cálculo de custo/benefício, modulando assim nossos próprios parâmetros de movimento. A grande diferença entre nós, seres mentais ditos racionais e os eventos da natureza dita irracional, é que sempre orquestramos nossa realidade em determinado grau. Ou seja, para nós, possibilidades não são meras recombinações de fatores (por sinal, extremamente harmônicas) e sim verdadeiras escolhas por nós construídas.

Penso que ainda não atingimos o sopé do entendimento deste poder. “Faze o que tu queres será o todo da Lei” sintetiza de forma gloriosa aquilo que, em essência, não tem forma: liberdade. É o pleno exercício do movimento nas possibilidades da forma em nossa dimensão. Aqui e agora, a restrição clama pelo combustível da possibilidade – o eterno gozo da expansão do ser.