Um thelemita é livre para acreditar nas divindades que bem desejar, da forma como bem desejar. Ou mesmo não acreditar em nenhuma. Contudo, algumas representações de divindades são mais comuns, seja por sua figuração nos Livros Sagrados ou por terem ligação com aspectos particulares da religiosidade thelêmica. É importante ter em mente que as divindades tanto podem ser encaradas como deuses e deusas na concepção normal da palavra como arquétipos ou ideias representativas de conceitos determinados.
Nuit
Deusa preenchida de estrelas, cujo corpo forma a abóbada celeste, é a representação do Infinito em nível Macrocósmico. Sendo todo homem e toda mulher uma estrela, Nuit simboliza a união de toda a humanidade em nível espiritual. Também é uma representação do Todo, do Universo em sua totalidade e tudo que nele existe, mas é estática, desprovida de movimento. Costuma ser representada por um círculo.
Hadit
O globo solar alado de Hadit é a representação da individualidade, o infinito Microcósmico. Simboliza a Serpente de Luz que deve se elevar para se unir a Nuit e assim alcançar a plenitude, consumando a união dos opostos. É o Sol interior, a fonte de toda a luz e sabedoria. Também é uma representação do movimento, da energia. Costuma ser representado como um Ponto no centro do Círculo que é Nuit.
Hórus
Hórus é uma divindade dual, composta por Ra-Hoor-Khuit e Harpócrates. Ra-Hoor-Khuit é o deus de cabeça de Falcão, simbolizando o Ser Humano em sua porção ativa, masculina, material. Harpócrates é a criança nascida no Reino dos Mortos, representado como um menino nu com o dedo indicador direito sobre os lábios, representando o Ser Humano em sua porção silenciosa, passiva, feminina, ou como o “Bebê dentro do ovo”. Juntos eles integram a divindade solar Hórus, que representa o Ser Humano íntegro, divinizado.
Aiwass
É o Ministro de Hoor-paar-kraat, a entidade “praeter-humana” ditou o Livro da Lei a Crowley. Por vezes, Crowley o identificava como seu próprio Sagrado Anjo Guardião, mas, por vezes, como uma entidade completamente separada. Ainda que nunca visto diretamente por Crowley, este teve uma “forte impressão” de sua imagem, descrevendo-o como um homem alto, de feições nobres e pele morena, usando trajes que remetiam aos assírios.
Ankh-af-na-khonsu
Foi um sacerdote do deus egípcio Mentu que viveu na cidade de Tebas na 25ª dinastia do Antigo Egito. Crowley assumiu essa identidade mágicka ao receber o Livro da Lei e assumir a condição de Profeta do Novo Aeon. A Estela da Revelação foi criada para comemorar a morte de Ankh-af-na-Khonsu, e em 1904 e.v fez parte do processo de recebimento do Livro da Lei. Recentemente sua múmia foi encontrada por uma arqueóloga brasileira.
Isa
Jesus é visto dentro do Cristianismo como o filho de Deus, no Islã (onde é chamado Isa) como o último Profeta antes de Muhamed, e por várias seitas gnósticas como um dos Éons. No Livro da Lei, aparece com o nome islâmico em AL I:49, onde é equiparado a Asar, sendo Asar o Adorador e Isa o Sofredor.
Asar
Osíris é o deus egípcio dos mortos, que teve seu corpo destruído e espalhado pelo mundo e depois reconstruído por sua esposa Ísis, representa o Ser Humano espiritualmente revivido. Considera-se que o Ser Humano é composto de várias partes (corpo, mente, espírito) que se encontram em estado de separação e desarmonia. Osíris simboliza, tal como em seu mito, a integração e harmonização destes componentes no Ser Humano Completo por força de um amor maior, culminando na sua Ressurreição. É referido em Liber AL I:49 como Asar e sua morte e ressurreição são uma das bases mitológicas utilizadas na Missa Gnóstica – Liber XV.
Ísis
Ísis era uma deusa muito importante no Antigo Egito e era adorada em outras regiões também. Ela aparece em muitas histórias antigas, principalmente no mito de Osíris, onde ela revive seu marido e cuida de seu filho, Hórus. Ísis era conhecida por ajudar as pessoas após a morte, da mesma forma que fez com Osíris, e era vista como a mãe dos faraós, ligada ao deus Hórus. Ela era também uma deusa da magia, e as pessoas pediam sua ajuda em feitiços de cura. Na arte, Ísis era mostrada como uma mulher com um símbolo de trono na cabeça, posteriormente, com chifres de vaca com um disco solar entre eles. Na Missa Gnóstica – Liber XV, é a Sacerdotisa que empodera o Sacerdote e é entronada por ele.
Tahuti
Thoth é o deus do conhecimento, da escrita, da linguagem e da música. É também o deus da Lua, da Magia e da Sabedoria Oculta. Ele é associado a Hermes Trimegisto ou Mercúrio, o mensageiro e mediador dos deuses. Geralmente é representado com a cabeça de Ibis, cujo bico assemelha-se a uma lua crescente, ou como um babuíno, animal noturno com muitas semelhanças com a humanidade.
Rá
Rá, ou Ré, era o principal deus do sol no Egito Antigo, visto como uma figura central e um símbolo do divino. Aqueles que fossem dignos, após a morte, poderiam se juntar a Rá e viajar com ele no céu em sua “Barca de Mil Anos.” Durante o dia, estava no céu como o Sol e à noite, atravessava a escuridão em sua barca, lutando contra a serpente Apep, o que, com o tempo, passou a ser associado à luta do bem contra o mal. Comumente representado com a cabeça de um falcão e um disco solar, semelhante ao deus Hórus, os dois tinham várias ligações simbólicas. É a divindade trabalhada pela manhã, no Liber Resh vel Helios.
Ahatoor
Ahatoor, também conhecida como Hathor, é conhecida como “A Casa de Hórus”. É vista como uma mãe amorosa e a deusa do amor, beleza e alegria. É conhecida por suas várias formas, incluindo a de uma mulher com chifres de vaca e um disco solar, ou como uma mulher com cabeça de leoa, relacionada à deusa Sacmis. Ahatoor também representa a feminilidade. Ligada ao Olho de Rá, tem características relacionadas à fertilidade e força. É uma das divindades trabalhadas no Liber Resh vel Helios.
Tum
Atum, também chamado de Tum, era um deus importante na cidade de Heliópolis. Originalmente ligado à terra e à agricultura, se transformou numa divindade solar quando se uniu a Rá, criando as formas Rá-Atum ou Atum-Horakhty. Representado como um homem mais velho, ele era o símbolo do Sol ao entardecer, controlava os céus e trazia os ventos do norte. Era considerado um deus que se criou sozinho e foi o criador de todos os deuses e humanos, não tendo uma forma animal. É outra das divindades trabalhadas no Liber Resh vel Helios.
Kephra
Khepra é um deus escaravelho da mitologia egípcia que representa a criação e o renascimento, é ligado ao amanhecer, simbolizando a passagem da inatividade para a vida ativa. Representado empurrando o sol pelo céu, o que simboliza a renovação constante. O escaravalho coloca seus ovos em bolas de esterco, imagem que ilustra a ideia de vida surgindo de decomposição e também a renovação espiritual após a morte. Não possui um gênero definido, sendo, no Liber Resh vel Helios, associado ao Sol da Meia Noite..
Baphomet
Mais do que uma divindade, é um dos maiores símbolos da Egrégora Thelêmica. Sua imagem é um complexo glifo de simbolismos alquímicos, herméticos, astrológicos etc. Dentro da filosofia Thelêmica, a imagem de Baphomet não possui qualquer correlação com o demônio, Satã, o Mal ou similares. Ele representa a dinâmica contínua tanto da união quanto da separação, expressa na fórmula “Solve et Coagula”. Baphomet une o que está acima com o que está abaixo, como apregoa o postulado hermético, realizando a totalidade das coisas.
O Não-Nascido
O Não-Nascido (ou Inascido), também conhecido como “o Sem-Cabeça”, é derivado de um ritual de exorcismo advindo do “Papyri Graecae Magicae”, uma coleção de fórmulas mágicas e rituais datando do Sec. II p.e.v.. Ele é uma representação dos aspectos do divino que estão além da compreensão da mente humana. Em Thelema, possui ligações com o Sagrado Anjo Guardião e está referido no Liber Samekh e sua invocação para proteção é uma das primeiras utilizadas no Ars Goetia de Crowley.
Pã
O nome deste deus grego significa literalmente “Tudo”. Pã representa a Natureza como um todo no seu aspecto mais primitivo e selvagem, sendo tanto criador quanto destruidor. Extremamente sexual, também representa a consecução do religamento entre o racional e o instinto bestial presente em toda a criação. De forma geral, Pã é a própria força vital, tanto do universo quanto do ser humano, força essa que age tanto de forma criadora quanto mantenedora e destruidora (nascimento, vida e morte).
To Mega Therion
A Grande Besta 666 (ou “A Grande Besta Selvagem”), é um símbolo de masculinidade e impulso viril, bom como dos impulsos mais instintivos e primitivos. O número 666, para o Ocultismo, não possui correlações com qualquer ideia de demônio ou mal, sendo na verdade o número da inteligência espiritual relativa ao Sol. To Mega Therion é portanto um princípio arquetípico masculino, o Pai da Vida, de natureza solar.
Babalon
Representa Yoni, o princípio feminino do Universo. Babalon é a geradora de todas as formas de vida, sendo a Grande Mãe, de cujo ventre todos vieram e para o qual todos retornarão. Ela é o Grande Mar e a Mãe Terra. Seu principal símbolo é o Cálice, o Santo Graal. Em comunhão com o poder do Grande Feminino, muitas mulheres Thelemitas expressam Babalon através de uma feminilidade enérgica, determinação e capacidade de comandar o mundo a sua volta. Seu título, “Grande Prostituta”, não se refere ao sexo promíscuo ou à satisfação masculina e sim à sua aplicação do princípio do Ágape, o amor infinito e irrestrito a cada partícula, objeto ou pessoa presentes no Universo.
Chaos
Chaos não é um sinônimo de desordem ou confusão e sim a soma de todas as possibilidades que existiram, existem e existirão, independente de sua manifestação. É a força criativa universal cujo poder é irrestrito, a substância primordial da qual toda matéria manifestada é feita. É o Fogo da Força da Vida encontrado em cada um de nós, sendo considerado como o Vice-Regente do Sol sobre a Terra, de acordo com o Credo da Ecclesia Gnostica Catholica.
Choronzon
Choronzon não representa um deus ou uma entidade, mas sim a representação de um conceito, um estado caótico de dispersão arredia e improdutiva que é o vilão de qualquer Magista. É considerado que Choronzon seja o “habitante do Abismo”, como consta no Liber 418 — A Visão e a Voz. Tal Abismo refere-se ao período iniciático e espiritual também conhecido como a Noite Negra da Alma, ilustrada como um deserto ao qual os homens devem se lançar e atravessar para poder, enfim, adquirir Entendimento e se tornarem deuses.
Uma nota em relação às divindades do panteão egípcio e greco-romano.
É importante que se tenha em mente que, embora muitas das divindades thelêmicas tenham os nomes e usem as imagens de divindades vindas da antiga religião egípcia, conhecida como Fé Khemética em sua forma restaurada contemporânea, estes deuses e deusas não são os mesmos cultuados na antiguidade egípcia, o mesmo se dando em relação a divindades oriundas do panteão grego.
As divindades thelêmicas possuem suas próprias atribuições e simbolismos, que não necessariamente são as mesmas que as das divindades originais. Fora isso, deve-se ter em mente que o conhecimento de egiptologia na época de Crowley (primeira metade do Séc. XX) era ainda limitado e extremamente tomado por uma visão cristã-eurocêntrica do mundo. Estudos e revisões recentes alteraram muito do que se entendia da mitologia egípcia desde então, e novos estudos continuam a realizar essas correções.
Os mesmos princípios se aplicam às divindades que se originaram do panteão greco-romano.
É recomendável, portanto, que se encarem divindades como Nuit, Hórus e outras, dentro do contexto thelêmico, como divindades particulares a Thelema e não kheméticas, para que se possa ter uma melhor compreensão das mesmas.