E o Altar está Vazio

E olha só que beleza! Estamos no Novo Eon, o Eon de Hórus, da Lei de Thelema, da Liberdade, do Ser Humano visto como divino e essa caboja toda! E estamos nele desde 1904, por aquele calendário chato e sem graça do velho Eon. Caramba, isso dá mais de 120 anos, é muito tempo, não é? Bom, pelo menos é muito tempo para mim, que não estava lá. E aposto um bolinho de luz mofado que você também não estava.

Mas, quer saber?… Um século não é assim tanto tempo. Afinal estamos falando de EONS! E um Eon é, sim, muito, muito tempo. E com, muito, muito tempo, uma série de tropos e práxis (que são maneiras chiques de se referir a formas de agir e pensar) vão se estabelecendo como verdades absolutas e incontestáveis, como maneiras naturais de se pensar e agir. Depois de, sei lá!, uns dois mil anos, algumas ideas estão tão estabelecidas na nossa cachola que qualquer outra que as contraponha é imediatamente rechaçada como heresia, impossibilidade, não natural e por aí vai. Isso quando, na verdade, simplesmente fomos condicionados (ou esquecemos de) a não pensar ou agir de outra forma que não aquela.

“Tá”, pergunta o proverbial Joãozinho, “e o que é que tudo isso tem a ver com o Novo Eon?”

E, olha, até que foi uma boa pergunta.

Acontece que viemos de uns bons milênios com a ideia de que precisamos de divindades lá fora. Sejam dos panteões do Eon de Ísis ou divindades monoteístas (ou quase isso) do Eon de Osíris. Aprendemos ao longo de nossa história como Seres Humanos de que são apenas aqueles deuses e deusas que podem nos trazer conforto, resolver nossos problemas, nos guiar espiritualmente, elevar nossos espíritos e mais um bando de coisas. Colocamo-nos no colo das divindades, as reverenciamos como o ápice de Tudo o Que Existe, jogamos para elas nossos problemas e, muitas vezes, nossas responsabilidades. Em suma, nos curvamos obedientemente e subservientemente a deuses e deusas.

Mas aí surge um pensamento novo: o de que não precisamos de deuses e deusas para explicar o mundo e nossas vidas.

Não, não estou falando de Thelema. Estou falando de ateísmo. Pois é, o ateísmo não surgiu anteontem como uma negação do metafísico, ainda que os primeiros sujeitos a se identificarem como ateus só apareceram no séc. XVIII. O ateísmo surgiu mesmo como um grupo de filósofos que, ainda que não negassem a existência dos deuses passaram a tentar explicar o mundo sem recorrer a eles.

Então, o assunto aqui é ateísmo? Não, é Thelema mesmo.

Mas Thelema não nega os deuses. Diacho, tem um monte deles, até! Mas traz uma ideia diferente: a de que o próprio Ser Humano é a divindade. Na Missa Gnóstica o Sacerdote, na Segunda Oração ante o Véu diz:

Oh, segredo dos segredos que estás oculto no ser de tudo que vive, a Ti não adoramos pois aquele que adora é também Tu. Tu és Aquilo e Aquilo sou Eu. Eu sou a chama que queima em todo coração do homem e no núcleo de toda estrela. Eu sou Vida e o doador da Vida, no entanto, o conhecimento de mim é o conhecimento da morte. Eu estou só: não há Deus onde Eu estou.

Liber XV – A Missa Gnóstica

“Mas”, e lá vem Joãozinho de novo, “depois não diz ‘não há parte de mim que não seja dos deuses’?”

Bom, o Crowley tem algo a dizer sobre isso:

Alegrem-se, ó irmãos, somos todos da substância divina. Não pensamos, nem sentimos, nem percebemos, nem somos, qualquer outra coisa senão aquele Todo-Generoso, Todo-Belo, aquele Senhor em seu esplendor e seu êxtase que vem e vai em sua carruagem no alto, dando luz e louvor, mas não move nem profere nenhuma Voz! Pois não há nada no Universo que não seja dessa Unidade – regozije-se! regozije-se! Todos os caminhos são espectros, no prisma da consciência, dessa Luz Única

Extraído de “Not the Life and Adventures of Sir Roger Bloxam”

E como podemos ler isso. Bom, você pode interpretar da forma que quiser. Mas a minha pobre leitura é a de que o que você está dizendo ali não é uma entrega de si a uma divindade. É uma declaração pública de que você reconhece que não há diferença entre você e a Divindade. Aliás, não essa ou aquela divindade, não o Deus X ou a Deusa Y, mas a própria ideia de Divindade. Bolas, por isso que não há deus algum onde você está: você é o deus (ou deusa) que está ali.

Porém, o que é que nós, thelemitas bem thelemitões e thelemitonas fazemos? Vamos até os altares do Velho Eon e tiramos de lá as figura de Jesus, de Maria ou de qualquer outro santo. Afinal, são coisas do Velho Eon e devem ser descartadas. E, em seu lugar, colocamos imagens de Ra-Hoor-Khuit, Babalon, Nuit ou qualquer outra.

E continuamos agindo frente a essas divindades da mesmíssima forma que um cristão age frente a Jesus: reverenciamos, nos submetemos, colocamos nossas vidas no colo deles.

Cacilda! Qual a diferença, então, entre essa ou aquela divindade?

Que diferença faz essa tal mudança do Eon? Que diferença faz se você se submete e reverencia Jesus ou Babalon? No final das contas, você continua agindo da mesma forma que a humanidade sempre agiu. Porque você não conseguiu ainda aceitar que existe um outro modo de agir em relação ao Divino.

Não estou dizendo que você deve pegar sua fé, seu amor por esse ou aquele deus ou deusa e jogar pela janela. Vai que vai na cabeça de alguém e machuca…

O que estou dizendo é que um dos grandes conceitos de Thelema é que você não está abaixo do Divino ou deve servi-lo ou se submeter a esse Divino, seja lá como ele se manifeste para você.

VOCÊ É O DIVINO!

O grande altar que você precisa aprender a montar não é aquele cheio de imagens disso ou daquilo. É um altar vazio. Com um espelho nele.